Os 7 de Chicago
Democracia em vertigem
Por Laisa Lima
Anos 60. Um Estados Unidos ainda participante da Guerra Fria, atravessa mudanças sociais, culturais e políticas fincadas em um território que mal podia ser controlado: o seu próprio. Durante este período, houve invenções benéficas globalmente, como a criação do estilo artístico Pop Art, o acontecimento do inesquecível festival de música Woodstock; e a ascensão de diretores como Alfred Hitchcook (“Psicose”) e Stanley Kubrick (“2001: Uma Odisséia no Espaço”). Porém, ao ser analisada a década de 60 como um todo, talvez os eventos mais lembrados por alguns foram marcados por uma violência desmedida, como o assassinato de Martin Luther King, líder do movimento a favor dos direitos civis da população negra, e a intromissão norte-americana na Guerra do Vietnã. É fundamentado no último exemplo que “Os 7 de Chicago” (2020), do diretor e roteirista Aaron Sorkin, desenvolve sua história.
Baseado em fatos, “Os 7 de Chicago” descreve o julgamento de 7 (inicialmente, 8) pessoas acusadas de serem mandantes dos protestos – considerados como agressivos – contra a Guerra do Vietnã durante a Convenção do Partido Democrata, sediada em Chicago no ano de 1968. Com todos os acontecimentos paralelos que assolavam os Estados Unidos, como a disputa entre partidos de esquerda e direita e a morte de Martin Luther King (citado acima), o ímpeto revoltoso – principalmente de jovens – cresciam a medida em que restrições eram lhes impostas. O longa-metragem, então, vai aonde tais militantes erraram ou acertaram, contando com o olhar atento do espectador para o que está ao seu redor, inclusive atualmente.
De um pacifista amedrontado com a ideia de ser considerado violento, até hippies de aparência despretensiosa, a composição dos 7 acusados é dissonante no modo em que os pensamentos dos personagens ou amadurecem, ou se tornam avessos a algumas atitudes tomadas por eles mesmos, ou por suas oposições. Tom Hayden (Eddie Redmayne), por exemplo, trai a raiz de seus ideais principais: presidente dos manifestantes estudantis, sua forma de guiar seus seguidores por meio da pacificidade se revela propensa às suas reações em face dos ocorridos, e uma fala multifacetada é atribuída ao protagonista de Redmayne, detentor de uma atuação não tão eloquente, mas funcional. Já Abbie – possuidor de uma personalidade feita na medida para o ator Sacha Baron Cohen – é capaz de reverter opiniões pautadas em seus diálogos sarcásticos referidos a todo momento, até inoportunos em determinadas horas. A ideologia de sua figura, no entanto, ao decorrer do filme, ganha novas nuances e um novo olhar visto por conta do roteiro de Sorkin.
Se em “A Rede Social” (2010), de David Fincher, o na época roteirista e agora diretor Aaron Sorkins conseguiu a proeza de pôr em palavras a condenação social de um ser considerado por muitos como nada além de genial, o criador do Facebook, Mark Zuckerberg; em “Os 7 de Chicago” o artista transpõe a realidade da história, para os diálogos e para uma câmera realista, sem linearidade em seus ocorridos mas sempre corroborando com o julgamento. Aliás, motivação da sessão, assim como o estímulo ideológico dos réis, é facilmente entendida mediante o roteiro, que combina, em sua gravação, imagens fílmicas e imagens dos reais acontecimentos. Desenhado em prol da preferência à interpretação dos atores, as interlocuções dos personagens se mostram afixados neles no começo da película, mas a exposição do molde em que vão encaixando suas concepções conforme os eventos são presenciados, é mérito da roteirização do diretor. Ao tornar o texto um protagonista, Aaron não é presunçoso a ponto de fazer das falas, explicativas em demasia, mas ao transpor todas as artimanhas de seu filme para o conteúdo falado, pode-se perder elementos que engrandecem mais ainda uma obra.
O início promissor de “Os 7 de Chicago”, com um compilado de falas interligadas dos 8 (que depois virariam a ser 7) de Chicago em imagens dinamicamente alternadas explicando sobre suas idas até a cidade; se reveste em uma valorização maior do roteiro e dos fatos como eles foram, pecando em conter clichês de filmes conhecidos como de julgamento, tais quais discursos arrebatadores, músicas emotivas, cenas intencionalmente confeccionadas para o não esquecimento delas por parte do espectador, e um advogado tido como um vilão cruel. Contudo, o último caso não se faz neste longa-metragem, já que Richard Schultz (Joseph Gordon – Levitt) tem em si uma contradição entre a oportunidade dada a ele para crescer na profissão, e entre sua integridade pessoal. A boa construção de personagens vai mais adiante com o juiz Julius Hoffman (Frank Langella), firmemente pouco parcial, e o advogado de defesa William Kunstler (Mark Rylance), firmemente volátil, mas espirituoso.
Para “Os 7 de Chicago”, o Oscar é uma mira latente, visto sua formulação de um assunto relevante e baseado no real, conduzido por uma constante instigação da emotividade, mas sem deixar o instinto do verdadeiro de lado. Apesar de mais uma obra Hollywoodiana, a película lida com temáticas importantes. A escolha de estruturá-las majoritariamente no roteiro carregado de informações privadas dos personagens, assim como na exibição de dados socialmente indignantes agora e naquela época; passa por questões que independem na vontade de apenas um grupo. O escancarado racismo vivido pelo o que pode ser chamado de oitavo dos 7, Bobby Seale (Yahya Abdul – Mateen ll) – que protagoniza as principais cenas de lembrança à audiência de que a crueldade, infelizmente, é visivelmente destinada para quem pouco pode se defender (situação análoga ao longa-metragem) – é somente um dos temas convergentes para o âmago do filme: o abuso de poder dos que controlam a democracia. É possível comparar os ocorridos em 1968, com os de 2020, e é inegável a força que o longa-metragem exerce para atingir tal objetivo. A obra acaba por ser, por isso, um triste retrato de algo que era para ter sido somente um filme, e não uma realidade do aqui e agora.