Operação Camanducaia
Mais um crime pouco comentado
Por Vitor Velloso
Durante a CineOP 2021
“Operação Camanducaia” de Tiago Rezende de Toledo, em exibição no CineOP 2021, propõe a exposição, e algumas respostas, de uma história pouco conhecida pela grande maioria dos brasileiros. Na década de 70, durante a ditadura militar, 93 crianças e adolescentes foram levadas pela polícia de São Paulo para Minas Gerais. O documentário faz uma pesquisa em torno do acontecimento, buscando entender o ocorrido, quem são os verdadeiros culpados, qual a razão da operação, quem são essas crianças, onde elas foram parar e onde estão hoje.
O filme parte do próprio processo de pesquisa, exibindo essa busca do diretor por respostas. Esse exercício mais expositivo da reconstrução histórica é interessante por não possuir esse “véu” entre o espectador e o processo que a obra possui até chegar nas respostas. Ou seja, sem uma mediação de determinadas informações. Assim, algumas tomadas mostram alguns “tropeços” durante essa pesquisa, expondo a frustração do cineasta e as reações surpresas de alguns entrevistados, ao serem indagados de forma direta sobre os acontecimentos. Essa linguagem que em diversos momentos se aproxima de uma reportagem, é algo que divide opiniões, mas sem dúvida “desburocratiza” esse processo e retira a produção de um certo modelo papal, do intocável.
E nesse sentido “Operação Camanducaia” é uma obra que não assume uma postura de arrogância ao descortinar alguns dos fatos, pois seu campo de construção vai atrás de uma coleta de informações que é amplamente visível. Assim, o uso de material de arquivos é menos intenso que em outras produções, já que esse contato é de forma mais imediata. Não por acaso, o longa possui uma estrutura cadenciada que vai de encontro à uma espécie de “crescendo”. Para isso, a montagem faz os recortes das entrevistas de maneira cronológica, expondo desde o interesse inicial da produção até a resolução da mesma. A linguagem tende a ser o mais sintética possível, aliás os poucos registros que aparecem em tela, são jornais, fotos e alguns destaques dos textos que foram publicados no período. O interessante é ver que o projeto não está preocupado apenas em encontrar alguns fatos sobre os acontecimentos, mas discutir o contexto deles, uma perspectiva sociopolítica do momento, a própria censura e o serviço prestado pelos jornalistas naquele momento. Logo, os depoimentos são de diversos setores da sociedade, de testemunhas ao governador de Camanducaia, do delegado de plantão na noite em que o sequestro ocorreu ao motorista que resgatou as crianças.
Algumas pessoas se recusam a mostrar o rosto ou mesmo tocar no assunto. Porém, uma questão curiosa é perceber um certo receio de tocar nos detalhes dessa história, não só pelas marcas que deixou, mas pelo assombro do que foi a ditadura. Esse fantasma da opressão é algo que fica muito explícito em diversos entrevistados que perguntam “Posso contar?” ou “Posso falar a verdade?. Em especial, na metade final, onde vítimas da violência policial são filmadas.
Agora, “Operação Camanducaia” consegue ter um bom ritmo apesar de ser um filme-processo. E é possível dizer isso a partir de outros exemplos na cinematografia nacional, e mundial, onde a lentidão do projeto é tão grave que desestimula o espectador ou o repele por completo. Apesar de ser citado constantemente como exemplo, “Passaporte Húngaro” de Sandra Kogut é de chatice e desinteresse ímpar. E parte desse feito surge na própria distância do teor pessoal que Tiago até revela no início da projeção mas não agarra com fervor.
Alguns momentos soam um pouco forçados do ponto de vista “dramático”, como as tomadas de dentro de veículos, distantes da ação (o que é compreensível), com uma trilha sonora de suspense. Os planos que antecedem à prisão e sua ida são um desses momentos. De toda forma, “Operação Camanducaia” consegue depoimentos poderosos e reações expressivas diante dos fatos, além de levar uma terrível história ao grande público, expondo mais um crime cometido durante a ditadura militar que seria aplaudido por parte dos brasileiros. E essa compreensão o padre entrevistado possui e o diretor confronta essa visão com uma pessoa que acreditou, na época, que a atitude da polícia tinha sido correta.