Curta Paranagua 2024

Octávio III – O Imperador

Memorial à Majestade

Por Pedro Sales

Festival Ecrã 2023

Octávio III – O Imperador

E quem é o maior nome da música brasileira? Bom, essa pergunta depende muito mais de quem responde do que de fatos objetivos. Para os mais clássicos e fãs do choro, com certeza Pixinguinha é um dos artistas lembrados. Os mais chegados no samba podem citar Dorival Caymmi entre outros músicos. Aqueles que gostam de bossa nova, indubitavelmente, têm Tom Jobim e João Gilberto no topo do ranking. E os que respeitam a monarquia dirão que é o rei Roberto Carlos. Todos estes ícones da música, em algum momento, estiveram frente a frente com o ator e produtor musical Octávio Terceiro, alguns com maior proximidade e companheirismo, como João Gilberto, de quem ele foi empresário e “fiel escudeiro”. Caminhando pelo Rio de Janeiro, de chapéu e óculos, o simpático senhor coleciona mais histórias do que qualquer um imaginaria. “Octávio III – O Imperador” é um documentário dirigido por Cavi Borges e roteirizado pelo cineasta em conjunto com João Lanari. Ao longo dos curtos 60 minutos, o diretor explora as lembranças do protagonista no âmbito musical e do cinema, porém lida com dificuldades que desafiam a própria produção.

A câmera se posiciona um pouco distante de Octávio, enquadrando-o junto a uma pintura na parede, mas esse mural não está em um lugar qualquer. A Wiskeria Gouveia era o point favorito de Pixinguinha. Se em um primeiro momento o protagonista está sentado virtualmente ao lado dessas figuras pintadas, não demora até que alguém passe na frente da gravação e contraste as memórias narradas de um tempo distante à realidade atual. O filme opta por deixar aparente essas quebras, afinal o próprio Octávio é confrontado pelo hoje enquanto lembra o passado. A nostalgia dessa época torna-se devoção a partir do momento que estátuas de Caymmi e Jobim, na orla carioca – uma em Copacabana (“Sábado em Copacabana”) e outra em Ipanema (“Garota de Ipanema”) -, tornam-se quase ícones religiosos com quem o protagonista troca confissões e lembranças. Contudo, Octávio não só esteve entre grandes músicos, mas também com grandes cineastas. Com Ruy Guerra, fez uma ponta em “Os Cafajestes” (1962), “mas a cena não foi montada”, lamenta o ator. Quase quarenta anos depois, interpretou o dr. Amnésio, protagonista de “Signo do Caos” (2003), último longa do cineasta Rogério Sganzerla.

Octávio III – O Imperador” transita, então, entre as lembranças do mundo musical e cinematográfico. A montagem habilmente consegue encontrar um equilíbrio entre esses dois temas. Planos de filmes antigos, por exemplo, ilustram as falas e demonstram uma conexão com ele, como o match-cut em que Octávio caminha por um lado e Helena Ignez pelo outro, na pele de Sônia Silk, personagem de “Copacabana Mon Amour” (1970), longa dirigido pelo já citado “Yellow Green Mr. Sganzerla”. As canções também exercem o mesmo efeito, seja quando ele relembra uma performance de João Gilberto com apresentação – e elogios – de Tony Bennett, ou de uma garota apaixonada por um tal Geraldo, o Vandré. Contudo, as únicas inserções de arquivo no filme ocorrem desta maneira. A história é contada inteiramente por Octávio, andando pelas ruas ou sentado em seu apartamento, nos moldes mais tradicionais de documentário. O espectador se sente como quem ouve as mil anedotas de um tio ou avô em um café ou mesa de bar. Nisso, a obra adquire uma pessoalidade ainda maior com o personagem, que relata tudo como se lembra. Portanto, existe uma confiança total no discurso dele. As fotos que imortalizaram essas lembranças estão posicionadas na mesa e mostradas brevemente. Os documentos não “comprovam”, porque não são explorados. A intenção de Cavi, desse modo, parece ser uma só: ser direcionado pelos relatos, pela narração. Se as memórias traem o narrador em algum momento, isso não importa muito para o filme.

Apesar deste caráter declaratório que o longa adquire, há uma quebra na linguagem documental imposta pelo destino. Nesse momento, a direção encara as dificuldades de produção e o que seria o fim do documentário para, desta vez, contar a história de uma maneira diferente, em terceira pessoa. O cineasta e amigo de Octávio, Felipe Cataldo, conduz um relato cru, filmado em um só take, em que ele divide as condições físicas que acometeram o protagonista. Dessa forma, Cavi demonstra uma expertise em driblar os problemas e continuar o filme. Junto ao depoimento de Cataldo, a obra apresenta os trabalhos mais recentes de Octávio Terceiro, os quais ainda não tinham sido abordados. Neste sentido, as cenas do curta-metragem “Fausto de Octávio III” (2019), dirigido por Cavi e pelo próprio Octávio, funcionam ainda como uma extensão e permanência do pensamento do protagonista. No ambiente vazio, filmado em preto e branco, com uma tela que parece mostrar memórias, constrói-se um cinema-purgatório, totalmente propício ao tom proposto pelo documentário.

Octávio III – O Imperador‘” é uma obra totalmente guiada pelas memórias do multi-artista Octávio Terceiro, com relatos próprios e de terceiros – com o perdão de um possível trocadilho. A centralidade do discurso de Octávio é um elemento que cria familiaridade com o personagem e, assim, mantém o interesse nas histórias de um homem que trabalhou e conviveu com grandes nomes da Música e do Cinema. Inclusive, é bastante palpável a importância que estes dois temas exercem ao longo do filme, não só no aspecto mais frontal, o da narração, mas também na montagem. Outro destaque para a produção reside nessa resistência do “fazer cinema”, encontrar a luz no fim do túnel em momentos de maior adversidade e, mesmo assim, dar vida à ideia. Portanto, o documentário é um memorial que honra o legado artístico e pessoal de Octávio, seja como um profissional competente na produção musical e na atuação ou como um bom contador de histórias.

3 Nota do Crítico 5 1

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