Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Agosto

O Último Azul

Um distópico Black Mirror com alma utópica amazonense

Por Fabricio Duque

Assistido presencialmente durante o Festival de Cinema de Gramado 2025

O Último Azul

Se analisarmos as obras de Gabriel Mascaro, então nos daremos conta de que o realizador pernambucano até tenta construir distopias e pincelar elementos mais futuristas em seus filmes, mas sua alma esperançosa (e crente que o indivíduo social tem “salvação” no meio da “selva-circo” do mundo em que se habita) acaba por, tendência e inevitavelmente, transformar tudo em uma impulsionada, orgânica e genuína utopia, ainda que de cotidiano editado, este que busca projetar a mudança, só que com seu ingrediente característico, infalível e universal, usado de forma bem mais livre e empática (sem julgamentos por parte do roteiro): o comportamento humano que se desenvolve no exato momento real da própria vida acontecendo. E assim, é quando Gabriel permite se imbuir de todas essas possibilidades narrativas, entre esperas, silêncios e cenas, propriamente ditas, que o filme verdadeiramente revela suas mensagens e metáforas. É, não poderia ser diferente em seu mais recente longa-metragem, “O Último Azul”, que já chega ao Brasil premiado e como o filme de abertura do Festival de Cinema de Gramado 2025, após ter ganho o Urso de Prata do Festival de Berlim deste ano.

“O Último Azul” é acima de tudo uma estilizada fábula realista,  em formato quadrado da tela, que se comporta como um road movie (ou melhor boat river movie) de redescoberta à protagonista, encarnada pela atriz Denise Weinberg, pelos contemplativos caminhos e atalhos de uma Amazônia viva, coloquial e vívida. Este é um filme de permissão e de luta ao pertencimento. Um protesto contra uma sociedade que se tornou um “exército de robôs”. Como já disse, o filme em questão aqui ensaia seu argumento como uma distopia, numa visão bem à moda de “George Orwell, em “1984”, mas o que Gabriel quer mesmo é mergulhar nos meandros do cotidiano mais da cultura local, com seus signos, crenças, lendas, máximas e psicologia popular de mesas de bar e nos tempos que moram entre as ações e reações.

“O Último Azul” é também um filme de mise-en-scène, porque quer nos ambientar na metafísica captada de uma invisibilidade sensorial (da névoa que cria a fantasia e do tom de absurdo com a “homenagem do Governo”). Ainda que tudo aqui conduza sua narrativa mais pela técnica e pela encenação, diferente por exemplo da forma mais etérea das obras anteriores do diretor,  “Boi Neon” e “Ventos de Agosto”, e se assemelhando mais com “Divino Amor”, mesmo assim “O Último Azul” consegue aprofundar todos os propósitos pensados. Um deles é abordar o etarismo (de que uma pessoa “velha” – “patrimônio nacional” – se torna um estorvo aos mais novos – e assim precisa ser “descartada” da sociedade). Podemos até dizer que Gabriel criou seu próprio capítulo de “Black Mirror”, mas com DNA e alma popular.

Como também já disse, “O Último Azul” é um filme de cenas. De momentos. De imersão naturalista aos espaços, aos sons, aos silêncios, às ansiedades-pressas e aos tempos que se passam. Talvez este, como Gero Camilo disse no palco após ganhar o prêmio melhor ator no Festival de Gramado 2025, não seja mesmo um filme de crítica, vide à infinita quantidade de percepções que se descobrem quando mais se pensa sobre. É, ao libertar a personagem principal da “prisão” e de ter que se limitar em definições, “O Último Azul” adentra no fluxo contínuo, paradoxal, fisiológico, musical, tecnobrega, e essencial do se viver. E tudo contra convenções, moralidades, ser “obrigado a descansar” e até sobre a ilusão sonhadora do “voar”.

Sim, “O Último Azul” corrobora toda filosofia de Gabriel: de fazer (e se perder, magistralmente) nos caminhos-atalhos, nas esperas do novo e nas remodelações do ser (zerando a vida anterior e ganhando outra). Suas personagens são agraciadas e “homenageadas” com a libertação, perspicácia, sagacidade e a lucidez de “matar” o antigo introjetado e condicionado e partir para o desconhecido e novas sobrevivências. Um salto no vazio. Um pós coma. De que “gente velha não é mercadoria”. Ao tudo aqui ser possível, como as experiências do rapé e da “baba azul” do caramujo (um Santo Daime diferente), a própria condução do filme se expande e evoca um outro universo, como, por exemplo, a personagem de Rodrigo Santoro, que prefere viver na ausência e na solidão (buscando que o psicotrópico mostre a ele “o que a gente não vê”). Ou a de Adanilo que escolhe o superficial à conexão social. Ou a cubana que já está “preparada” para seguir a vida como “fugitiva” legal (“Essa é a graça: quanto mais medo, melhor”).

Gabriel sabe muito bem como trabalhar suas personagens, até mesmo na “preparação de elenco” dos “peixes” e do “caramujo”, talvez por seu olhar sensível, em especial de observar sua avó, cujo filme foi inspirado. “O Último Azul”, que é mestre em estetizar o orgânico, entre Maria Betânia e sons tipicamente amazonenses, é no principal sobre a desconstrução das existências humanas. De se permitir o ir, deixando para trás as “obrigações” impostas de um mundo que até hoje não conseguiu entender para que serve.

4 Nota do Crítico 5 1

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