O Trabalho Dela
Deslocamentos e frustrações
Por Vitor Velloso
Reserva Imovision
“O Trabalho Dela” de Nikos Labôt é mais uma obra que chega para compor o catálogo da Reserva Imovision e entra como uma opção de drama no streaming brasileiro. O longa possui uma narrativa simples e direta, mas com um recorte exponencial das faces das repressões que perseguem a protagonista. De seu marido à estrutura neoliberal que descarta cada um dos trabalhadores com o desprezo que lhe é recorrente, sindicalistas e a “funcionária exemplar” são alvos fáceis da máquina de admissões provisórias e demissões precoces. Nessa porta giratória que o capitalismo funciona, em crises cíclicas, os países dependentes e que quebrados, cedem ao rolo compressor que aparentemente cria “investimentos” imediatos.
Contudo, “O Trabalho Dela” não se debruça apenas no ponto da invasão do capital estrangeiro na Grécia e a redução dos direitos trabalhistas à meros acordos unilaterais, é sobre Panayiota (Marisha Triantafyllidou) e as descobertas de uma verdadeira vida por trás das repressões que sofreu a vida inteira. Abrir uma conta no banco, aprender a dirigir, sacar dinheiro, trabalhar, ter algo para chamar de seu, é claro que esse desenho mágico de uma democracia liberal, em “tornar-se cidadã e trabalhadora” é uma introdução à brutalidade da política neoliberal de descarte. Esse retrato que o filme faz, em torno da necessidade de descobrir maneiras de enfrentar a sensação de não pertencimento, é construído a partir de uma linguagem que desloca a protagonista para essa posição central diante de um mundo vazio, inócuo e em ruínas. As instituições iludem e Panayiota mantém-se presa aos grilhões que esta não reconhece a própria vida sem. Seu estranhamento com mulheres que se divorciaram, sabem dirigir, agrava a baixa auto-estima e o filme reflete isso nos quadros que destacam esse ponto de isolamento grave que define o drama.
Desta forma, o longa consegue unir uma representação da decadência política que o país enfrenta com uma personagem que tem dificuldade de se encontrar no meio de descobertas fora da padronização opressora que a estrutura conservadora propõe. De qualquer maneira, suas formas de libertação são frustrações contínuas em um entorno que objetifica sua existência à funções pré-estabelecidas, desde a convivência em casa ao emprego. É onde alguns eixos narrativos parecem receber uma atenção menor diante dessa unidade dramática, a própria filha que parece ser um ponto importante em um momento inicial vai perdendo espaço em “O Trabalho Dela”. A amizade com uma colega de trabalho também é pouco costurada e algumas dessas linhas que vão sendo deixadas de lado expõem a centralização da narrativa em torno de Panayiota. O que fortalece as faces que a obra busca explorar, mas fragiliza aquilo que a própria forma passa como entendimento primário. Essa suposta falta de indecisão na montagem, faz com que o ritmo decaia ao longo de um certo tempo, já que retornamos a pontos pouco desenvolvidos.
O rigor da misancene consegue transpor a consciência nessa cadência entre uma temática internacional quase particular e uma problemática que assombra a Grécia nos tempos atuais. Está certo que ambas questões não são recentes, nem exclusivas da protagonista, mas esta se torna a síntese de chaves praticamente universais.
A boa surpresa que “O Trabalho Dela” representa, deve muito à paciência em trabalhar com esse tempo dilatado dos planos e os espaços que parecem engolir seus personagens. Porém, Marisha Triantafyllidou é um destaque essencial para falarmos do filme, com uma interpretação que arranca uma multiplicidade de sentimentos do espectador. Torcemos pela personagem com intensidade e somos constantemente desafiados por suas escolhas. A personagem em si é interessante, mas a atuação consegue criar uma nova dimensão para uma história que apesar de simples, possui densidades que a forma até consegue explorar, não sem desvios, e Marisha se apresenta como uma força que atua de maneira uníssona com os acertos da produção.
Depois de algumas catástrofes nos streamings brasileiros, o Reserva Imovision apresenta um catálogo com boas surpresas, que permanecem fora do holofote, mas que poderiam receber uma atenção maior de parte da crítica cinematográfica nacional. Já que o cinema brasileiro continua não recebendo a atenção devida, que ao menos possamos nos distanciar da tacanhice conservadora e moralista dos subprodutos despejados aqui.