Direção: Elia Suleiman
Roteiro: Elia Suleiman
Elenco: Elia Suleiman, Saleh Bakri, Samar Tanus, Shafika Bajjali, Zuhair Abu Hanna, Amer Hlehe, Lotuf Neusser, Tareq Qobti, Yasmine Haj, Ziyad Bakri, Leila Muammar
Fotografia: Marc-André Batigne
Trilha Sonora: Alex Beaupain
Figurino:Judy Shrewsbury
Edição:Véronique Lange
Efeitos especiais:La Maison
Produção: Michael Gentile, Elia Suleiman
Distribuidora: Imovision
Estúdio: The Film
Duração: 105 minutos
País: Bélgica/França/Itália/Reino Unido
Ano: 2009
COTAÇÃO: ENTRE O BOM E O MUITO BOM
A opinião
Versão ficcional de quatro episódios que marcaram a família do diretor Elia Suleiman, de “Intervenção Divina”, desde 1948. Inspirado pelos diários de seu pai, combatente da resistência palestina, e pelas cartas de sua mãe aos familiares expatriados, ele reconstitui o cotidiano dos chamados “árabes-israelenses”, a partir do momento em que escolheram permanecer em sua terra natal e passaram a viver como minoria. Memórias íntimas que se confundem com a história coletiva de um país em desaparecimento.
As imagens possuem a simetria dos enquadramentos de câmera, interagindo elementos em uma metáfora do existencialismo. “Crônicas de um presente ausente”, extrai-se. O tom ficcional mistura-se ao documentário, confundindo personagens reais e construídos. A visão do diretor, que aparece como passageiro de um taxista perdido, inicia os questionamentos e constatações subjetivas sobre seu passado e sua historia. A sutileza dos deboches ambienta a trama, o deixando como mero observador, quase um “Buster Keaton”, com seu humor silencioso. O exercito apresenta-se também perdido e alienado, em cenas grandes angulares, imponentes, grandiosas e ágeis. O surreal é a própria epifania do não movimento. Um dos exemplos, a rendição oficial do prefeito em 16 de julho de 1948. O estilo de Stanley Kubrick esta presente, principalmente quando insere trechos do filme “Spartacus” para alunos de uma escola. A fogueira de armas ilustra um momento de ações coordenadas como uma peça do teatro grego. “Todos devem aceitar o seu destino”, diz-se e impõe-se a resignação, característica natural do povo árabe.
Os soldados correm e defendem-se não sabendo o porquê e para que. Estão em uma luta sem sentido e sem rumo. Os personagens batalham dia-a-dia, diariamente, para continuar sendo eles mesmos e poderem movimentar-se de uma rua a outra. O diretor dramatizou a historia de sua família e adiciona poesia em sua trama. Os presos são vendados, retira-lhe o sentido do ver físico. A violência é desmedida e desorganizada. “Que vida é essa? Viver ou morrer tanta faz”, grita-se o desespero de não se conseguir modificar o que está errado. A solução é ir pescar por saúde e ou por tédio. “Mente limpa e raciocínio, uma questão de lógica”, diz-se.
As escolas mostram a nacionalidade, com crianças cantando musicas ufanistas árabes. “Não se diz que os Estados Unidos é colonialista ou imperialista em uma sala de aula”, um aluno, personagem de Elia, é punido por questionar o sistema.
As cores também são simétricas e recorrentes, contrastando com a falta de vida que é mostrada. Ações repetidas provocam o cansaço das pessoas que vivem aquele momento. Em algum momento, mais uma gota de água no copo irá faze-lo transbordar. Os repressores não conseguem distinguir trigo de pólvora. Eles buscam desesperadamente provas a fim de sustentar uma crença massificada. O papel de Elia, como realizador, é criar a caricatura para expurgar seus demônios, frustrações e desencantamentos. A historia do filme conta que ele teve que deixar o país por ser opositor. O realismo do cotidiano fantasia a introspecção, expressando seu silencio e relacionamentos pelo cigarro, um elemento que mata, porém é prazeroso, um vicio difícil de deixar.
O aprofundamento dos personagens segue ritmo a ritmo, sem correrias, para em certo momento humanizar pela observação do filho aos detalhes do pai e em outro instante da mãe. O documentário ficcional não julga, apenas retrata imperfeições e rachaduras, que visto pelos olhos de Elia, chega a ser quase patético – não a forma em sim, mas o contexto sem direção. Uma famosa musica de faroeste explicita o sarcasmo da cena.
O natal acrescenta Elia à trama. Mudo, sem palavras, um fantasma do pai, uma sombra da mãe, invisível. Ele pensa, sem dizer nada, que não pertence mais aquele lugar e refaz um balanço de sua própria linha do tempo. O hoje em dia há um policial que lava louças com luvas rosas, que cuida de uma senhora já idosa e doente. As coisas não mudam, as lembranças vem à tona com a velocidade da luz, confrontando e gerando a nostalgia de um momento que não pode mais ser vivido. “Está cidade quase não existe, está irreconhecível”, diz-se. A mãe, diabética, retorna a infância e come um sorvete, mesmo sem poder. Ela quebra regras. Toda família questiona o que está acontecendo, não se acovardam pelo medo, lutam por soluções melhores e mais democráticas, pelo direito a pequenos quereres básicos.
Como disse, as metáforas participam como parte integrante do roteiro. Há os fogos de artifícios que possuem o mesmo barulho dos tiros. Há o transporte em uma Kombi cheia e apertada. Há o transpassar o muro. O longa divide-se em quatro momentos: 1948, 1970, 1980 e a Nazaré de agora.
Um dos momentos mais sutil e mais bonito é o sorrir da mãe, em um leito de hospital, que deseja não mais viver e retira os aparelhos. O filho retira os óculos e o coloca em uma estatua de santa. A cumplicidade de mãe e filho que entende o ateísmo e a forma dele não ser radical na religião, que se é permitido brincar com elementos, sem a hipocrisia do politicamente correto. Quando espera fora do hospital, ele percebe tipos de pessoas com suas manias, vivencias, idiossincrasias e catarses.
Finaliza-se com uma homenagem a minha mãe e a meu pai, com a musica remix de “Stayin´ Alive”, dos BeeGees, interpretado pelo grupo Yas. Vale muito a pena ser visto. Há tempo, espera, fortalecimento e duvidas. O diretor liberta a sua alma e compartilha a sua vida com o espectador. Recomendo.
“Faço filmes baseados no meu entorno, naquilo que conheço e com que me identifico”, diz o cineasta Elia Suleiman, nasceu, 28 de julho de 1960, em Nazaré, Palestina, nos territórios ocupados por Israel. Em 2002 ganhou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes por seu filme “Intervenção Divina”. Ele é um dos entrevistados do documentário Crítico. Indicado à Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2009 por “O que resta do tempo”.