O Próximo Passo
White People Problems: O topo da pirâmide de Maslow
Por Giulia Dela Pace
Festival Varilux 2022
“A teoria da motivação humana”, estudo publicado em 1943 por Abraham Maslow, dividiu as “necessidades humanas” em cinco grupos compreendidos como níveis, organizados em uma pirâmide. Sendo a base as necessidades mais urgentes de existência, como: fisiologia, segurança e social. E mais para o topo: estima e realização pessoal. E “O Próximo Passo” é um filme sobre uma mulher branca de classe média alta e seus conflitos em busca de realização pessoal, o que é geralmente reconhecido como “white people problems”. Ou seja, problemas considerados fúteis se comparados aos conflitos das grandes parcelas da população mundial que costumam ficar na base da pirâmide. O filme ainda carrega certo estilo “netflixiano” de ativismo barato com o mínimo de elegância cinematográfica possível, o que, definitivamente, pelo histórico do diretor – Cédric Klapisch – não é muito a praia dele.
Elise Gautier (Marion Barbeau), é uma das bailarinas principais de uma companhia de ballet clássico na França. Aos vinte e poucos anos, ela fratura o pé durante uma de suas apresentações e acredita que nunca mais poderá dançar. A partir desse momento ela passa a ter encontros com outros personagens que mudam sua visão de vida e perspectivas sobre carreira e futuro, até se encontrar no ballet contemporâneo. E nenhum ator falha em momento algum em sua atuação ou em cumprir as funções dos personagens, especialmente os que interpretam dançarinos. Quando a escolha de elenco: impecável. Especialmente pela participação de Hofesh Shechter – interpretando ele mesmo –, pois é um dos grandes nomes atuais da dança contemporânea\pós-moderna. Mas não deixa de ser só mais um draminha burguês enjoado.
Há momentos até engraçadinhos, mas que definitivamente não condizem com o tom de “O Próximo Passo” e os desdobramentos. Então ficam perdidos na narrativa e causam certo estranhamento e quebra com o efeito da “vibe” do longa. Tudo isso dentro de uma construção bem basiquinha da obra como um todo, mas que no começo a fotografia até entrega certo sentimento e intensidade, que logo se perde na entrada de Elise no palco. E tudo vira só mais uma filmagem de apresentação de ballet e filmezinho genérico “netflix”.
Ainda assim, a paternidade que tenta suprir a ausência da mãe é uma questão muito bonita que o longa aborda. A relação de Elise com seu pai, um advogado bem sucedido, pai de três filhas independentes que ele cria há quase 20 anos sozinho após a morte da mãe. Uma paternidade que é pouco representada e que faz sentido ser vista pelo ponto de vista das filhas, já que homens nessa situação tendem a quer ser vangloriados pelo simples trabalho de terem sido apenas pais e se preocupado com certas questões que mães geralmente nem mesmo são lembradas por fazer diariamente, pois essa seria uma condição materna básica, não paterna. Assim, eles tendem a não lidar bem com o fato de serem confrontados ou cobrados a demonstrarem o mínimo de afeto ou não serem tratados como heróis por terem feito o mínimo que a maioria das mulheres nesta posição devem fazer todos os dias.
“O Próximo Passo” em definitivo se compromete com certas questões sociais e visões de mundo politizadas e cumpre todas de forma satisfatória. Sejam os “colapsos” feministas de Elise, o senso de realidade com a dança e a relação do ballet clássico ainda estar vinculada a uma visão alienada da mulher e seus papéis sociais impostos e até mesmo a relação de Elise com seu pai (Denis Podalydès). O tópico da dança é, em particular, uma explanação mais direta sobre a transição na vida de Elise Gautier e a própria visão do filme sobre o ballet clássico e a dança contemporânea e suas oposições que influenciam na visão de mulheres também possam ter de suas vidas.
Por fim, não há nada muito genial no último filme de Cédric Klapisch – “O Próximo Passo”–, carrega certa carga significativa de filme genérico, mas que é bem feito e não se deixa pecar muito, tendo em vista que o longa não se permitiu faltar certas noções e elementos básicos, como também alguns conceitos e ideias interessantes amarradas ao contexto da protagonista e evento de uma narrativa redonda. No fim é um filminho bem bem meia boca, mas que consegue ser competente em tudo que promete entregar.