Curta Paranagua 2024

O Oficial e o Espião

Causas e consequências da história

Por Julhia Quadros

O Oficial e o Espião

O filme “O Oficial e o Espião”, de Roman Polanski é uma adaptação do livro J’Accuse, de Robert Harris, que aborda o Caso Dreyfus, um conhecido episódio de antissemitismo na História Francesa, em que o oficial Alfred Dreyfus fora injustamente acusado de espionagem a favor da Alemanha e condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo (localizada na Guiana Francesa), em 1985. Ele sofrera diversos tipos de tortura psicológica para confessar o suposto crime, que não fizeram com que ele tomasse para si a culpa, além de ter sido submetido à degradação militar, apenas por ter uma caligrafia vagamente parecida com a do traidor. Sendo o primeiro judeu a servir o Estado-Maior do Exército, encontrou muita resistência por parte da elite católica, o que culminou nesta decisão extrema.

Polanski (de “Baseado em Fatos Reais“, “Repulsa ao Sexo“) traz esta situação para o Cinema, através de um filme, que apresenta uma narrativa que se desdobra em detalhes, que, apesar de retratar um caso trágico sobre uma injustiça histórica, promove um debate interessante sobre relações de poder, imagens, intenções cotidianas, objetivos econômicos e políticos e toda uma construção que desaparece na História, mas que fora a principal responsável para as consequências já conhecidas. O diretor, ao adaptar o livro, busca questionar o olhar para as tomadas decisões e promover um debate sobre causas cotidianas que geram consequências marcadas como positivas ou negativas ao longo dos tempos.

Tanto no cenário mundial quanto na inserção de Polanski no mundo cinematográfico, o filme tem um posicionamento polêmico, uma vez que o diretor foi acusado e condenado por estupro de menor de idade, o que, inclusive, não se deu apenas uma vez. É provável imaginar o cineasta fazendo uma comparação entre si e Dreyfus em sua última obra, em relação à condenação, exclusão e julgamento coletivo por parte de um meio. É cruel considerar que ele tenha comparado um ato revoltante e indefensável como um abuso ou uma violência com um caso de antissemitismo e acusação sem provas.

O título J’Accuse (eu acuso), remetendo ao artigo do escritor Émile Zola, já evidencia o posicionamento do autor  sobre acusar, apontar e atribuir a alguém um feito ou uma imagem desagradável ou condenável. Não há como concordar com o argumento do cineasta de que sua acusação se encontra na mesma categoria que a do oficial judeu; apesar disto, sua visão para o processo de acusação de Dreyfus e a forma como orquestra os jogos de poder como algo displicente e próprio cotidiano, em que se torna conveniente a exclusão de um membro daquele grupo é inteligente. Apesar de possivelmente, as motivações da realização do filme tenham sido um questionamento de uma posição de algo que é amplamente condenável, o autor do filme traz um olhar carregado de ironia para uma multidão que opta para a condenação de um membro do grupo e suas motivações.

“O Oficial e o Espião” é bem dirigido, apesar de não apresentar maiores inovações para a linguagem cinematográfica, com a fotografia de Pawel Edelman e montagem de Hervé de Luze, a narrativa se desdobra primordialmente em torno do oficial Picquart e suas investigações acerca do Caso Dreyfus, o que faz com que ele tenha uma força maior, como se a evocação da dimensão que isto assumiria posteriormente na História constituísse um plano de fundo para as situações cotidianas narradas. Como Picquart, o espectador acompanha o que é dito e considerado sobre Dreyfus sem que este seja retratado tragicamente ou que se dê enfoque ao processo de seu sofrimento. Polanski não defende um injustiçado, mas reflete sobre o que gera uma injustiça e como se manifesta um pensamento coletivo, expresso nos longos diálogos da obra.

“O Oficial e o Espião” é, em suma, é um bom argumento e pensamento sobre a História, sobre mentalidades e processos de longa duração e curta duração. Deve ser encarado como uma contribuição ideológica e um filme inteligente e bem dirigido, sobre causas e consequências, preconceito, acusação e como isto tudo se dá em um ambiente social, econômico e profissional. Mas, principalmente, sobre intenções o quê pode ser conquistado ou perdido em jogos políticos e como uma acusação transcende o ato do sofrimento em si e encontra ecos sociais, ganhando um significado muito mais amplo. O filme traz uma ideia, que gera diversas discussões, podendo ser revisitado e discutido diversas vezes, assim como o notório Caso Dreyfus.

3 Nota do Crítico 5 1

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