Curta Paranagua 2024

O Mistério de Henri Pick

Pretexto para Uma Gargalhada

Por Michel Araújo

Durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2019

O Mistério de Henri Pick

Histórias improváveis são sempre um deleite para a mídia, quer sejam para serem desmascaradas ou abraçadas e romantizadas. No caso do roteiro de “O Mistério de Henri Pick” (2018), dirigido por Remi Bezançon (Zarafa, Le Premier Jour Du Rest de ta Vie), a história improvável em questão é do falecido pizzaiolo Henri Pick que deixou para trás um único romance não publicado, o qual dialoga diretamente com a vida e obras de Aleksandr Pushkin, pai da literatura moderna da Rússia.

O velho Pick, entretanto, nunca foi visto em vida, quer por sua esposa ou por suas filhas, escrever uma única linha de romance, muito menos pegar em mãos um livro para ler. E apesar disso, numa pequena biblioteca de livros rejeitados por editoras, a jovem Daphné Despero (Alice Isaaz) encontra um exemplar com seu nome, de um romance que logo é tido como uma obra-prima pela imprensa e crítica no geral. O único a permanecer cético é o crítico literário e apresentador de um programa de televisão acerca de literatura, Jean-Michel Rouche (Fabrice Luchini), que desafia não só Daphné como a própria família de Pick, convicto de que uma obra de gênio tão potente não pode ter sido escrita por um homem pacato, sem a menor bagagem literária, ou mesmo sem qualquer vestígio de relação próxima com a literatura. O filme então se tratará da saga obstinada de Jean-Michel em busca das provas irrefutáveis para negar que o pizzaiolo bretão misterioso não é o autor do dito romance “pushkiniano”.

Em se tratando das atuações, o filme possui um misto moderado em seu elenco. Fabrice Luchini entrega uma divertida atuação como Jean-Michel, que varia entre os momentos de seriedade e de sobriedade aos momentos de desespero e de descontrole com razoável sutileza, sem trejeitos ou afetos excessivos. Camille Cottin se mantém reservada e seca a maior parte do tempo, combinando perfeitamente com a indignação de Joshépine Pick, uma filha cujo falecido pai parece estar sendo constantemente ridicularizado pelo crítico literário incrédulo, Jean-Michel – muito embora ela irá desabrochar certa ternura e compaixão pelo personagem mais à frente.

Bastien Bouillon não incorpora muito bem seu papel como Frank Koskas – namorado de Daphné que já havia ao início do filme mandado um livro para o programa de Jean-Michel, porém foi ignorado – cujo semblante varia entre primeiramente vilanesco para mais a frente assumir uma postura quase anti heroica, apesar de na história não ser propriamente nenhum dos dois, apenas um personagem duvidoso que se mostrará mais importante do que parece. O que mais prejudica o roteiro de “O Mistério de Henri Pick” é a resposta que Jean-Michel obtém para o famigerado “mistério de Henri Pick”, e infelizmente a resolução final da história terá que ser comentada aqui. Ao longo do filme o personagem de Frank Koskas – cujo nome soa muito análogo a Franz Kafka, como o próprio Kafka fazia com seus personagens – aborda Rouche insistindo para que leia seu romance que havia enviado para seu programa.

Quando Jean-Michel finalmente cede aos apelos de Frank e lê o tal romance, o experiente crítico rapidamente soluciona a questão de quem seria o autor fantasma que se escondia sob a sombra do falecido Henri Pick: o próprio Frank Koskas. Essa reviravolta, e eventualmente a maneira como Koskas conta em detalhes bem expositivos como veio a ser arquitetado todo o plano para fazer sucesso com a ideia de um “único romance brilhante escrito por um homem completamente desconhecido e ordinário”, além de estratégias previsíveis – considerando as abordagens nem um pouco discretas de Koskas e sua clara revolta com o sucesso de Henri Pick – são uma solução narrativa fraca e mesmo clichê, em que um personagem irá monologar convenientemente explicando todos os segredos acerca da história, fazendo todas as peças se encaixarem.

Em termos de humor “O Mistério de Henri Pick” (2018) não se sai de todo mal, alguns momentos são razoavelmente divertidos. O roteiro é por vezes perspicaz com a construção do personagem de Jean-Michel, colocando ótimas referências literárias e uma boa retórica na ponta da língua. Em termos de suspense, o “mistério de Henri Pick” propriamente dito parece ser um mero pretexto instigante para um filme de comédia razoavelmente palatável. Um divertimento moderado como tantos outros. 

3 Nota do Crítico 5 1

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