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O Melhor Lugar do Mundo É Agora

Aos vencedores, os cacos

Por Ciro Araujo

Durante a Mostra de SP 2021

O Melhor Lugar do Mundo É Agora

Após anos de desmoralização do “ser ator” na política pública brasileira, O Melhor Lugar do Mundo É Agora traduz os resultados dessas ações em uma série de entrevistas à distância, a fim de compreender o universo do profissional abandonado aos, literalmente, cacos. É uma compilação reunida de questionamentos que liberam os atores, presos no meio de uma pandemia, a praticarem a própria atuação. Um paralelo para falarem sobre si mesmos enquanto enclausurados.

A proposta do diretor Caco Ciocler prevê a fundamentação do que é atuar. Mentir, falar a verdade, que seja, nada importa. Não importa, inclusive, que relato algum seja real. A frase de sempre de Orson Welles é via de regra, impressionante! E é impressionante como principia uma sede do intérprete, aquele que se não apenas deseja, mas precisa de uma atenção para poder ser. Tantos filmes meta-linguísticos que anseiam a temática, e eis um que é mais aproximado, um documentário tão cercano e explícito sobre defasagem. Em O Melhor Lugar do Mundo, o filme se põe dentro de um retângulo que funciona como uma caixinha. Um palco. Um que não existe, inclusive, no distanciamento social – ou pelo menos não o encontraram nesses tempos. O longa-metragem é uma caixa de brinquedos para os entrevistados contarem o que quiserem. Talvez seu maior brilho inclusive, lustrado pelo cineasta, seja este.

Para tanto, o que Caco mais mostra na verdade é a fragilidade dos observados. “Isso aí vicia… A palma, né?”. E como vicia, é muito visível. O diretor sabe perfeitamente que a falta de uma tela é até uma armadilha para aqueles que precisam se soltar, precisam usar tanto de suas próprias faces e vozes instrumentos para se comunicarem. E o pulo do gato é que tudo está sendo gravado, os próprios atores tem o conhecimento. Externalizam o que foi preso no isolamento. E conhecer o universo produzido mas congelado ou cristalizado, como preferir, é curioso. As janelas abertas, isto é, os retângulos das câmeras gravadas sob tela, demonstram tanto ego quanto franqueza. Ou seja, gente, um filme sobre gente. Um close, um fecho do introspectivo. Normalmente na atuação é justamente o oposto, uma farsa exterior, o trabalho de manter pouco de si apenas para auxiliar no trabalho, mas manter um disfarce feito para enganar. Ou as vezes, deixar um rastro bobo, migalhas para formigas como espectadoras irem atrás e contemplarem.

Existe algo interessante na vontade da maioria dos diretores que realizaram algum filme dentro do período pandêmico de trabalhar personagens presos dentro de caixas. E existe algo inclusive muito preocupante para quem faz isso, muito mais porque o cinema parece espetacularizar tanto essa forma geométrica. O trabalho começa a ficar cansativo, fora de noções criativas. O Melhor Lugar do Mundo também parece cair por terra por aí. É, querendo ou não, um filme que não sai do próprio conceito recriado, e transita levemente entre as várias entrevistas. A fragilidade, inclusive citada na crítica, se desmancha completamente pelo ar quando flutua. Ela aparece e desaparece, um momento que exala peculiaridade e que está ali, se esvai logo após.

Direcionando-se ao final, o longa de Caco parte também para um deboche mais expositivo. Bem, se é tão ridículo, ou melhor, fantasioso, o momento pode se criar como vítima própria. São teorias conspiracionais sobre quem viu “gente se enriquecendo com incentivo a cultura” , quase, parodiando a própria classe artística que está como ponto central a todo o momento. A desmoralização foi tomada justamente pela permissibilidade de se recriar o significado de incentivos culturais, como uma Lei Rouanet (que hoje se encontra existente no atual governo, só com um nome diferente). De forma alguma não se deve deixar de realizar os devaneios proferidos, uma vez que funcionam muito mais como desabafos incrivelmente honestos de atores que minutos antes estavam mentindo em frente a câmera. Quer dizer, continuam mentindo, mas aqui é uma mentira óbvia. Apenas há o questionamento: em quanto tempo algum trecho do filme será reaproveitado e retraduzido? Em “Entreatos“, de João Moreira Salles, utilizam uma fala de José Dirceu como tom profético no maior canalhismo existente. O quanto esse suspiro do documentário pode acabar servindo de arma contra si próprio? Há que pisar em cacos de vidro, mas não deixa de servir como seu propósito, uma noite na taverna sobre os profissionais da cultura brasileira. No final, lembranças de outrora pós-amargor tocando Gilberto Gil.

2 Nota do Crítico 5 1

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