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O Jardim Secreto de Mariana

Para onde e como o amor olha?

Por Ciro Araujo

O Jardim Secreto de Mariana

Uma vez o fantasioso Richard Linklater fez uma trilogia de encontros e desencontros para tentar explorar o que era o romance rotineiro. Um vislumbre através da imagem, neste caso, do relacionamento atado, desgastado e rompido, mas dentro de sua casca haveria sempre um amor. “O Jardim Secreto de Mariana” de Sérgio Rezende, de maneira paralela, é um filme que tenta retratar uma paixão nunca esquecida, um rasgo no coração de anos. Quando mira nisso, ele próprio se esquece de ser essa representação e traz um magnetismo na masculinização dessa visão para explicar a relação principal entre duas pessoas que relembram o passado.

Ok, provavelmente comparar ao trabalho de Linklater seja canalha. Mas de forma alguma, irreal. Aqui, João (Gustavo Vaz) ama Mariana (Andréia Horta) que ama João, ambos se amavam tanto que (por “coisas da vida”) se machucaram e afastaram. É nessa didática que a obra passa a relembrar o passado dos dois para explicar. Claro, sempre à visão do homem protagonista. O relacionamento é um à lá “Olhos de Capitu” bem suavizado e existe uma alternância de equidades dentro dele. Em determinado momento essa visão vira extremamente masculina, um fetiche de traição, de imposição de uma gravidez, de que a violência era naturalizada. Em outros momentos, existe o espaço para Mariana, a esposa, falar. Ela fala de desejos e vontades, mas mesmo quando pede não fala de dores. O reencontro para se lembrar torna-se então uma série de justificativas extrapoladas dos erros dos dois que até o final contrariando toda a vontade possível do roteiro não soam mais apaixonados. Não existe igualdade, ressonância alguma, mesmo que tudo enfie goela abaixo “que sim”.

Esse fogo é ao menos calentado no histórico flashback. De forma sucinta e arrítmica “O Jardim Secreto de Mariana” conduz para esse esforço de contar como chegamos nesse relacionamento cadavérico. As belezas que a própria imagem se permite inclusive criar delicadeza está nesses poucos minutos do artifício. Existe um trabalho melhor de corpos e toques, de falas e expressões, uma naturalidade que até bem condiz ao próprio momento da obra. Uma honestidade também convém e acontece, em diálogos com o pai. Esses, apesar, parecem mais parasitas quando a atuação de Gustavo Vaz complementa o estado da conversação. No cinema sempre existirão formas de procurar resgatar o espectador para uma empatia. A ação de chorar, ao fim do longa-metragem, ecoe como uma atitude aproveitadora. Talvez, empatia de mais seja um mal.

Contudo, não é para nada que as imagens de Rezende chegam. As imagens são frágeis, porém estruturam aonde existe correlação em sua própria filosofia. De forma alguma é complexa ou mirabolante, mas pesa o suficiente para dizer algo sobre o paralelo que é formando em “O Jardim Secreto de Mariana”. O cineasta explicava em um determinado momento que o filme era a resposta dele ao momento truculento que o Brasil vivia. Talvez esse jardim secreto que se forme através da obsessão erótica de Mariana por plantas seja uma visão de delicadeza, mas não aparenta. Novamente, volta-se à obsessão temática do diretor, esse magnetismo de definir a mulher como um corpo que deseja, mas em que pouquíssimos momentos são passíveis a ser ouvida. O que sobressai essa questão relacional, está no ambiente. Algumas vezes mágico, através da temática árcade que desde cedo parece uma carta de amor da produção nos jardins de Inhotim, pouco tempo após a tragédia de Brumadinho e os perigos que o lugar sofreu.

De certa forma, a observação mais pertinente que se faz do longa são de seus momentos de voyeurismo. Obras como o “Blow-Up” de Antonioni ou “Janela Indiscreta” de Hitchcock são repetições de um olhar inclusive masculinizado, envolto na curiosidade do que é muitas vezes uma espécie de “objeto”. O personagem de João é muitas vezes um homem mais cercano desses dois cineastas, herdando a curiosidade antonionesca e múltiplas vezes o considerado correto nas películas hitchcockianas (que cai sempre  em tentações). Essa noção dramática então por fim explica os tons observadores aplicados. De forma alguma, explica, entretanto uma proximidade tão forte do roteiro em aplicar a visão dada. Beira o fetichismo deliberado do diretor, retirando todo o discurso que antes falara sobre a delicadeza das coisas e o Brasil e… Bem, essas coisas.

2 Nota do Crítico 5 1

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