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O Império dos Sentidos

Política e Pornografia

Por João Lanari Bo

Festival de Cannes 1976

O Império dos Sentidos

Ian Buruma, pesquisador que se dedicou ao Japão durante muitos anos, sugere que é digno de nota como os japoneses politicamente radicais tendem à pornografia. E como a pornografia no Japão tende à crueldade e à violência. A conexão entre política e violência sexual é algo a explorar, conclui. E prossegue: os escritos de Oshima Nagisa – ativista estudantil, bad boy da “nouvelle vague” japonesa, diretor de “O Império dos Sentidos”, dandy e personalidade da TV – fornecem um bom começo.

Oshima entrou para o cinema como assistente de direção na Shochiku (a produtora de Ozu), onde trabalhou com Masaki Kobayashi. Imamura Shohei, o formidável realizador contemporâneo de Oshima, dizia: “Eu sou um lavrador, Oshima é um samurai”. Orgulhoso e lutador, certamente Oshima era.

Em meados dos 70, Oshima, exaurido das condições de produção do cinema japonês – mas não da temática e contradições japonesas – partiu para o financiamento internacional, beneficiando-se da acolhida que seus filmes obtiveram em vários mercados, sobretudo na França. Produz menos títulos, mas torna-se um realizador global. “O Império dos Sentidos”, de 1976, é a primeira e escandalosa parada dessa jornada.

Oshima encontrou o produtor Anatole Dauman em Paris e a conversa foi produtiva. Dauman, habituado a trabalhar com Godard, Chris Marker e Resnais, propôs sem titubear, segundo conta Oshima: vamos fazer um filme pornô! (Dauman mais tarde negou a versão).

O diretor, excitado com a ideia e a possibilidade de dar um salto internacional na carreira, aceitou na hora. Voltou para casa e enviou duas propostas. Uma delas sobre a história de Sada Abe, protagonista de um caso célebre de mutilação genital, em 1936. Entre o acerto dos dois e o início das filmagens passaram-se exatos três anos. A questão era como dramatizar uma cena em que os protagonistas se entregam sexualmente e a narrativa não fique diluída na mera contemplação onanista. O exercício do sexo implica um nível básico de expressão emocional, onde o espectador percebe o filme com o corpo, uma leitura corporal, por assim dizer. O objetivo era captar essa leitura e dar um sentido político ao ato.

O método foi encontrado: a premissa era o sexo explícito, e a consequência era um estado que poderia ser descrito como sublimação crítica. “O Império dos Sentidos”, filmado em 1975 e lançado (fora do Japão) em 1976, é um dos produtos mais bem sucedidos do cinema japonês, em todos os tempos.

Dois corpos isolados em um recinto, unidos carnalmente até o último suspiro. A tentação primeira é pensar o filme de Oshima como uma alegoria da exclusão social, em uma época marcada pela escalada militarista que levou à guerra do Pacífico, o excesso dos excessos. Como dirigir dois corpos embalados nesse frenesi?

O casting dos atores, conta Oshima, já era direção. Muitas candidatas para o papel feminino – a eleita, Matsuda Eika, de pele macia e olhar obsessivo, vinha da trupe de teatro de Terayama – e poucos para o masculino. O ator escolhido foi obra de Koji Wakamatsu, a devastadora personalidade que Oshima, em um lampejo de gênio, chamou para diretor de produção. Tatsuya Fuji, uma das estrelas da produtora Nikkatsu, aceitou o papel depois de várias rodadas alcóolicas com Wakamatsu.

Segundo Oshima, Fuji destacava-se por não ter ansiedades em relação à sua capacidade viril. A orientação básica que recebeu para compor seu personagem foi simples e objetiva: pense sempre, em relação à sua contraparte, que você fará tudo por ela. Isto é, entrega total do próprio corpo, para consumo hedonista da parceira. Ela, por seu turno, representaria o corpo no estado absoluto do desejo – pura pulsão de preenchimento da falta.

As falas de Sada Abe vieram dos depoimentos recolhidos pela polícia e textos da própria, de quem Oshima teria obtido autorização. As de Kichizo Ishida, o parceiro, inventadas (a combinação resultou estupenda). A direção de atores, meticulosa e milimétrica, extrapolou os limites do realismo e inaugurou, no cinema mainstream e “artístico”, a prática do sexo explícito (ainda é referência, mesmo com o caudaloso consumo de sexo via internet).

E a sacada mais brilhante de Oshima: as cenas de sexo são conduzidas pela protagonista feminina, que chega a instruir seu parceiro a ter relações com terceiras para seu prazer escopófilo. Ao contrário da maioria das narrativas cinematográficas, pornográficas ou não, onde o olhar masculino comanda o espetáculo, no filme de Oshima quem mandou foi a mulher.

5 Nota do Crítico 5 1

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