Curta Paranagua 2024

Crítica: O Garoto de Bicicleta
Ficha Técnica
Direção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Roteiro: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne
Elenco: Thomas Doret, Cécile De France, Jérémie Renier, Fabrizio Rongione, Egon Di Mateo, Olivier Gourmet, Batiste Sornin, Samuel De Rijk, Carl Jadot, Claudy Delfosse, Jean-Michel Balthazar
Fotografia: Alain Marcoen
Figurino: Maira Ramedhan Lévy
Produção: Jean-Pierre Dardenne, Luc Dardenne, Denis Freyd
Estúdio: Les Films du Fleuve / France 2 Cinéma / Archipel 35 / Lucky Red / Eurimages / Canal+ / CinéCinémas / Radio Télévision Belge Francophone / Belgacom TV / Centre National de la Cinématographie / France Télévision / Taxshelter. be / Région Wallone
Distribuidora: Imovison
Duração: 87 minutos
País: Bélgica/ Itália/ França
Ano: 2011
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
“O Garoto de Bicicleta”, que abriu a 35ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo (2011), é o quarto filme da carreira dos Irmãos belgas Dardenne, Luc e Jean-Pierre, diretores de “Rosetta”, “O Silêncio de Lorna” e “A Criança”. É necessário embarcar na estrutura definidora do cinema deles, a fim de explicar os temas recorrentes e as características visivelmente básicas. Os cineastas optam por uma trama comum, que se desenvolve, de forma terapêutica e de extrema simplicidade, para que, com isso, possam despertar o lado emocional, sem o clichê óbvio, do espectador. Com narrativa clássica, o filme em questão aborda as agruras e entendimentos de um garoto, chamado Cyril, que tem um único objetivo: encontrar o pai, que o deixou em um orfanato. Deste ponto, a personalidade do protagonista, de forma arrebatadora interpretada pelo ator mirim Thomas Doret, é devastada e analisada, assim como uma sessão de terapia, lugar em que se pode expor qualquer problema e ou desvio de caráter, sem o julgamento, até porque a profissão requer distanciamento e técnica. Os diretores tornam os espectadores, cúmplices e terapeutas. Assim, a mais recente obra delas vai conquistando a perfeição. Percebemos a transposição à tela das reações possíveis e permitidas de um garoto de onze anos que não possui o entendimento sobre o que realmente está acontecendo com a sua existência. Cyril comporta-se de maneira insistente, persistente, decidida, mimada, revoltada, teimosa, intransigente, passional, imediatista, defensiva, irritante, ansiosa, prepotente e desconfiada, não se fazendo de vencido e lutando até a última das esperanças para conseguir o que quer, buscando chamar a atenção mostrando-se de forma oposta ao que realmente está nele. Só cedendo quando o objetivo é alcançado.
O roteiro quer, propositalmente, a aversão do espectador ao personagem principal e quer a raiva, sinestesicamente falando. Ele sente um amor e uma dependência incondicional pelo pai, que ao longo da trama, descobrimos que sente descaso e aversão pelo filho. O garoto encontra em Samantha (Cécile de France, de “Albergue Espanhol” e “Além da Vida”), a administradora de um salão de cabeleireiro, que permite que o garoto passe os fins de semana com ela, uma possibilidade de restauro de vida. Porém ele não consegue reconhecer o carinho com o qual é tratado por ela, graças à raiva que sente por ter sido abandonado pelo pai. É um misto de sentimentos conflituosos e contrastados. Por estes, traça-se um perfil psicológico, que também gera o descobrimento de uma viável “cura”. A trama levanta outro questionamento. A dificuldade e inaptidão de ser pai. “Ele vai me esquecer”, diz na frente do filho que aceita qualquer migalha oferecida. Em alguns momentos, a música epistolar, e seu órgão rústico e impositivo, acompanham as ações do garoto, ora as julgando, ora tentando descobrir os porquês, ora sinalizando ao espectador a direção a seguir. Quando a percepção acomete Cyril, após inúmeros e repetidos erros comportamentais, a transformação acontece com velocidade. O recomeço é necessário e para que isso seja possível, ele precisa neutralizar a raiva com alienação. A fotografia, mesmo solar, intensifica os sofrimentos do personagem, transpondo sensações a quem assiste.
Se antes alguém roubasse sua bicicleta, ele correria atrás e brigaria, fisicamente e literalmente, pelo objeto. Se antes alguém gostaria de ser seu amigo, ele cometeria ilicitudes para que isso acontecesse. Mas agora toda carga “revolucionária” deu lugar à resignação, a aceitar que de vez em quando é necessário fornecer a outra face. Que violência não se combate com violência e que vingança pode ser perdoada no ato que acontece, mesmo que as pessoas sejam extremamente danosas e cruéis. Então, se a raiva contida que o espectador nutria pelo personagem, no momento final da história, o sentimento que permeia é a união da decepção e da aceitação social. Ao entender os motivos que fazem com que alguém batalhe pelos objetivos, mesmo inequívocos, por incrível que pareça, a complacência e a compreensão entram no jogo, realizando como a frase popular “os fins justificam os meios”. O pós-questionamento, que é atingido, subscreve o quão complicado é o ser humano e que há inusitados e inexplicáveis meios ao objetivo final. Concluindo, um filme que merece ser visto, analisado, dado a simplicidade crônica, que gera uma incrível e complicada conseqüência dos atos praticados. Recomendo. Vencedor do Grande Prêmio do Júri e indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2011.
Os Diretores
Os Irmãos Luc Dardenne (nascido em 10 de março de 1954, em Awirs, Bélgica) e Jean-Pierre Dardenne (nascido em 21 de abril de 1951, em Engis, Bélgica) são diretores de cinema belgas. Dirigiram vários filmes, antes de serem premiados com a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes, pelos filmes “Rosetta” (1999) e “A Criança” em 2005, além de “O Silêncio de Lorna”.

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