O Curto Verão de Hilda
Tempos opostos e semelhantes
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2022
Entre a melancolia e a memória, somos introduzidos a “O Curto Verão de Hilda”, de Agustín Banchero, por uma chuva que projeta uma série de possibilidades dramáticas à uma trama que oferece poucas pistas de seu desenvolvimento. Se as sobreposições do início da projeção, criam uma tensão entre possíveis memórias e um presente abalado, os enquadramentos desolados dos primeiros minutos do filme, reforçam que as dinâmicas funcionam a partir de uma dinâmica arquitetada em torno de perfis, planos frontais e o isolamento dos personagens em meio à discussões burocráticas de uma inspeção. Não por acaso, a temática que cruza os momentos iniciais, gira em torno da esterilidade de uma profissão marcada pela precisão. A arquiteta Hilda, interpretada com maestria por Carla Moscatelli é de uma tensa frieza em todas suas relações e diálogos, questão que a câmera traduz a partir de planos fixos e lentos movimentos de câmera.
Os tempos médios de cada plano, mantém a objetividade próxima de um momento capaz de reconhecer suas pausas. Sem perder o ritmo nessa construção, projeções e memórias parecem assombrar uma melancolia explicitada pela fotografia que preenche os contornos de seus personagens sem intervenções diretas e mantém-se fria na maior parte do tempo. Contudo, em um ponto de virada na narrativa, esse suposto pragmatismo em absoluta decadência, é arrebatado por uma grave situação e o filme não se permite idealizar, de forma imagética, grandes acontecimentos durante as ações. A violência da cena é acompanha tão de perto que o espectador não possui um direcionamento no quadro do que está acontecendo. Essa postura da produção é particularmente louvável, pois não estetiza uma barbaridade, ainda que dá os elementos para que a compreensão exista. Esse preâmbulo é importante para ser pensado, já que a partir daí existe quase um outro filme.
A mudança na razão de aspecto nos permite a intimidade que havia sido negada até então, as cores são mais presentes e a inversão, ou não (discutiremos isso adiante), do lugar das memórias e desejos, são tensionados à uma projeção concreta e sintética de como determinadas situações podem desmoronar em um piscar de olhos. “O Curto Verão de Hilda” pode ser uma quebra-cabeça na forma como é construído, não por uma complexidade narrativa ou dramática, mas pela exposição de absolutas incertezas da cronologia e realidade expostas pelos personagens. Isso porque o espelhamento subjetivo remonta situações que aconteceram anteriormente e coloca em xeque uma série de suposições tomadas previamente.
Com a câmera mais próxima das ações dos personagens, com planos detalhes e minimalismos de diversos tipos, cada ação recebe uma atenção especial no recorte dramático. Estamos tão próximos de Hilda que criamos um estranhamento do que foi apresentado anteriormente. Porém, com o desenvolvimento de um drama quase prosaico, percebemos que as tensões estão espalhadas em larga medida. A possibilidade de ver personagens que só haviam sido citados ou mesmo especular quem estava na fotografia que Hilda subitamente retira do campo de visão de uma visita, permite que o espectador elabore questões próprias quanto à sua interpretação de certos encaminhamentos.
Em uma discussão na cozinha, a fotografia retorna ao tom azulado que estávamos acostumados, isola nossa protagonista, após a câmera na mão tensionar essa relação que estava se dissolvendo. É onde “O Curto Verão de Hilda” passa a reverberar fantasmas do passado e memórias que são retomados pela estrutura do filme, diálogos e dispositivos. Desde a repetição de diálogos, como citado anteriormente, até um acontecimento que parece ter um impacto imediato na personagem que se materializa diante da imagem.
Determinadas nuances do longa podem não ser compreendidas em um primeiro momento ou interpretadas de múltiplas maneiras distintas, mas a experiência na sala de cinema é algo relativamente desconfortável. Se entre ciclos distintos, o filme funciona justamente por uma construção minuciosa e consciente de cada movimento que é realizado, o mérito reside justamente em como essa carpintaria parece se moldar a partir de uma linguagem que articula uma série de viradas em pequenos gestos. É um trabalho de notável maturidade, que sofre com algumas quedas de ritmo, ainda que saiba os caminhos que deseja trilhar. O encerramento catártico é uma permissividade para a discussão pós sessão.