O Céu dos Índios Desâna e Tuiuca
A Ciência da Tradição
Por Jorge Cruz
Mostra Sesc de Cinema 2019
A dupla Flávia Abtibol e Chicco Moreira é bem generosa em suas intenções, concedendo voz total aos representantes das etnias indígenas que aceitaram serem documentadas ao longo de toda a projeção de “O Céu dos Índios Desâna e Tuiuca”. Após uma simples introdução sobre cosmologia, somos de imediato transportados para a região do Rio Amazonas onde as ciências sobre o céu são ensinadas às crianças como objeto fundamental de sobrevivência há séculos.
Usando o som das águas ao longo das primeiras cenas, é feito o percurso até o coração daquelas comunidades, onde se acredita que cada pessoa tem uma estrela como correspondente. Dentro desse lugar de fala absoluto, o curta-metragem pode ser categorizado como um documentário observante, mesmo que por algumas vezes não consiga evitar um didatismo forçado. Os registros das aulas, como era de se esperar, tem uma artificialidade natural, por ser inevitável a mudança de postura quando uma equipe de filmagem está presente.
Filmado em São Gabriel da Cachoeira, mais de 800 quilômetros distante de Manaus, a produção é resultado da competência e dedicação dos cineastas já citados. Será exibido em todo o Brasil por conta da 3ª Mostra Sesc de Cinema em novembro de 2019. Todavia, o roteiro escrito a partir da ampla pesquisa já conquistava prêmios em 2015, quando foi contemplado na 11ª edição do Concurso de Roteiros Rucker Vieira. A montagem de um planetário para que a população da cidade pudesse ver as estrelas mais de perto foi um dos fatores que encareceu a produção. Em um país onde finalizar uma produção audiovisual é um desafio por vezes grande demais, este complexo curta-metragem ganhar o mundo merece o máximo de respeito e congratulações.
Mesmo que não trate diretamente das mudanças climáticas cada vez mais avassaladoras, “O Céu dos Índios Desâna e Tuiuca” não deixa de criar no espectador uma sensação de que se registra ali um tipo de educação e transmissão de conhecimento fadada a sumir – se não pela fúria da natureza, pelas práticas genocidas de quem nunca quis compreender os indígenas. Uma mensagem tão básica, porém tão esquecida: a de que ciência e tradição jamais serão conhecimentos antagônicos, sendo a quase utopia do respeito total aos estilos de vida e formas de pensar uma condição sine qua non para que nosso processo de desumanização seja interrompido.