O Céu da Meia Noite
Pós-mundo que vaga no Espaço
Por Fabricio Duque
Netflix
O mais recente filme dirigido pelo ator George Clooney (podcast sobre o diretor aqui) estreou há algumas semanas nos cinemas brasileiros (a fim de manter o protocolo de lançamentos do ano) e hoje chega ao streaming. Visando uma vaga ao Oscar 2021, “O Céu da Meia Noite”, adapta-se aos novos critérios da Netflix, empresa que constrói cada vez uma plataforma voltada mais às massas, podendo inclusive a considerar como um novo gênero: o de “filme-streaming”, ou, neste caso específico, um “filme-Netflix”, que produziu originalmente a obra em questão aqui, baseado no livro “Good Morning, Midnight” (“Bom dia, Meia-Noite”), de Lily Brooks-Dalton.
“O Céu da Meia Noite”, cujo novo gênero, mencionado no parágrafo acima, tendencia um resgate aos valores mais tradicionais da família, nivelando a trama por baixo a fim de entreter e não aprofundar. Gera-se assim, informalmente, outro gênero: o de filme-casual, pensado exclusivamente no momento da diversão. Ainda que a narrativa busque elementos não convencionais de desnortear o público com a quebra do tempo-espaço (mas que já foram apresentados em “Interestelar”, de Christopher Nolan), como uma ficção científica mais existencialista ao almejar semelhanças com “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick; e “Gravidade”, de Alfonso Cuarón (em que o diretor daqui é um dos atores). Há ainda inferências a “O Regresso”, de Alejandro González Iñárritu, e até mesmo ao brasileiro “Soundtrack”, de Bernardo Dutra e Manitou Felipe.
Sim, este é um filme de filmes, porque seu desenvolvimento acontece pela montagem intercalada, fragmentando histórias em núcleos ao tom novelesco, especialmente se observarmos que não há silêncios contemplativos. Tudo precisa ser didático e explicado nos mínimos detalhes. É como se o roteiro “escolhesse” seu target ao imprimir uma tradução que não precisa respeitar a inteligência do espectador, este protegido no “universo algorítmico” do não pensar pela máxima de “desligar meu cérebro”. “O Céu da Meia Noite” quer ser um processo automático do olhar, de recebimento passivo não questionável. Com seus gatilhos comuns da emoção, da moralidade inabalável e da fórmula pronta (e já acostumada).
Nos anos oitenta, o produto Tostines lançou o slogan “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. Se pegarmos gancho argumentativo, então nós entraremos em um ciclo infinito sem respostas. O público de massa só gosta desse tipo de filme ou esse tipo de filme foi imposto subliminarmente como se fosse uma lobotomia cognitiva? Nós precisamos ter cuidado para que a padronização de “O Céu da Meia Noite” não seja normalizada, até porque a indústria já percebeu que isso faz sucesso e que a citação de Steve Jobs (“As pessoas só sabem o que gostam quando nós apresentamos a elas”) está mais que ordenada. Outro tópico a ser levado à sério é a interpretação, que se encena pela superficialidade, sem sutilezas, internalizando não só clichês comportamentais como reações de efeito (e sempre verbalizadas). Há assim uma performance da própria atuação que “abraça” a ideia romantizada (e ingênua) do que é ser um ator/atriz.
“O Céu da Meia Noite” é também um filme de muitos (para talvez agradar gregos, troianos, terráqueos e interplanetários). De gêneros agregados, como o suspense, aventura, ação, romance, que acontecem pela ilusão-liberdade poética (embasamento ao não factual) da criação ficcional e por uma fabulação do real, artificial com o intuito de preterir a forma ao invés do conteúdo. Sim, é desejado a diversão acima de todas as coisas unida às máscaras estruturais de cult (sem fugir e “afastar” o público com “inovação” e vanguarda demais). Tanto que pululam curiosidades sobre o processo. De George Clooney ter 59 anos e parecer 70 (“Apenas trabalhar na Islândia e dirigir filmes me deixou assim”).
Dessa forma, o longa-metragem é sobre solidão, reconexão, envelhecimento, pós-apocalipse de uma misteriosa catástrofe mundial e sobre não perder a esperança na humanidade. “O Céu da Meia Noite” cria um simbolismo atual da crise pandêmica do Covid-19 e o pensamento recorrente e confuso de quando será o “final feliz do novo normal”. Nesta obra, a salvação definitiva conclui-se pela redenção, libertação, propósito, missão e humanismo (pela alucinação sintomática e afetiva – um acesso ao passado) de Augustine (George Clooney), um solitário cientista no Ártico, que tenta impedir seus colegas astronautas a voltarem para casa. Dois mundos conectados pelo céu da meia-noite, acalentando o luto de um e possibilitando o futuro do outro. A casualidade do filme impede que o público crie memórias e no final temos a sensação de sermos ejetados no espaço. Sem explicações dos porquês e sem motivos do existir.