Mostra Sessões Especiais Mais uma Edicao

O Castigo

Amor de Mãe

Por Letícia Negreiros

Durante o Festival do Rio 2024

O Castigo

Cansaço, frustrações, renúncias e arrependimentos. Assim é Ana (Antonia Zegers), personagem principal de “O Castigo”, longa-metragem de Matías Bize. Somos levados para um recorte de seu cotidiano familiar, apenas pouco mais de uma hora e vinte de uma viagem de carro. Nesse meio tempo, acompanhamos suas desavenças com a maternidade e as impulsividades acarretadas por ela. Observamos a viagem de carro do banco de trás, observando Ana e Mateo (Néstor Cantillana) discutindo como quem observa os próprios pais se desentendendo. Há apreensão na forma como a câmera se posiciona, relutante em se virar para quem fala, mas ansiosa em averiguar a outra parte. A aflição por saber de menos, aliada ao movimento de câmera ponderado e receoso, imprime no espectador a condição de criança que observa. Até sabermos o motivo pelo qual de fato não há uma criança observando. 

Lucas (Santiago Urbina) fez algo absurdo, tido como inimaginável. Como castigo, foi deixado na beira da estrada por seus pais. Sozinho, apenas com a floresta, a rodovia e seus sentimentos. Ao retornarem dois minutos mais tarde, pai e mãe encontraram apenas um boné como lembrança da presença do menino. É estabelecida, então, uma disputa de culpabilidade entre os dois adultos. Ana é pintada como uma mãe rígida, sem compaixão. Foi sua a ideia de deixar a criança para trás. Suas reações são mínimas, muito contidas e estoicas. Mateo é um pai sentimentalista, crente fervoroso de que todos os problemas de Lucas vem do pulso firme de sua mãe. “O Castigo” apresenta Ana como impiedosa. Sua aparência exausta e modo de agir a tornam muito rejeitável. É fácil tê-la como culpada sem muito esforço. Diz agir assim por ter certeza de que Lucas aparecerá, crê não passar de uma brincadeira de mal gosto. Seu esposo, pensado para ser seu contraponto e agindo como tal, não é tão diferente dela. Menos cansado, apenas, e um pouco mais caloroso. Liga para a polícia, mas transmite muito mais a necessidade de se livrar de uma possível culpa do que a necessidade de achar o filho. Quer registrar a responsabilidade do sumiço como de Ana. Se preocupa em ser um bom pai nas memórias do filho, mas deliberadamente delega as responsabilidades para a esposa. 

Não há cortes desde o fade in no banco de trás do carro. “O Castigo” é um plano sequência que ecoa o condicionamento da criança que observa. Somos o fantasma de Lucas, vendo os pais brigarem e se acusarem, sem nunca efetivamente interferir na dinâmica. Essa ideia da visão infantil é muito palpável em certos momentos e ressoa com o peso da ausência de Lucas. No entanto, é um recurso que se perde no próprio uso. A ausência de cortes ocasiona no igualar constante entre Lucas e o espectador. O impacto é, então, dissolvido nas cenas em que essa presença seria de fato importante – no carro, correndo atrás do pai na floresta, observar a mãe atrás de uma árvore. A gravidade da situação se esvai nos diálogos arrastados e nos grandes vazios que o plano infindável acarreta. as pausas dão abertura para se perder do fio de raciocínio da trama, atrapalhando muito mais do que estendendo a tensão do sumiço. Talvez houvesse a intenção de tornar o sumiço de Lucas maior e a urgência de achá-lo maior, mas o efeito obtido é de um tempo confuso, esquisito no seu desenrolar e duração verdadeira. 

O diálogo de marido e mulher na clareira resolve muitos dos pontos levantados em “O Castigo”. O cerne de tudo está na sua relação com a maternidade. Ama Lucas, mas detesta ser sua mãe. Numa tentativa desesperada de se manter amável para Mateo, concordou em engravidar. A consequência é uma vivência turbulenta consigo mesma, dividida entre a impulsividade do estresse de viver o que não gosta e o sentimento de cuidado e amor pelo filho. O abandono na clareira, assim, torna-se simultaneamente um pedido de socorro de uma mãe sobrecarregada e uma forma – nem tão – inconsciente de finalmente se ver livre da situação. Bize trabalha de forma arrastada as questões levantadas pelo roteiro de Coral Cruz. As nuances de feminilidade e maternidade se perdem também no plano sequência. “O Castigo” está atualmente em exibição no Festival do Rio 2024.

1 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta