O Caso Collini
Um passado em julgamento
Por Fabricio Duque
O cinema é acima de tudo uma expressão. Os realizadores atuam como maestros, conduzindo o público a suas escolhas narrativas e temáticas, por múltiplas percepções do olhar, e muito advém da própria forma que se comportam perante as referências coletadas. Em “O Caso Collini”, nós podemos definir, em um primeiro momento, como um filme-julgamento, mas se avançarmos descobriremos que seu diretor é um acumulador de gêneros (que não abre mão de incluir em seu roteiro as reviravoltas desvendadas), quase como um apego emocional, pautados na estrutura do cinema comercial bem mais próximo ao hollywoodiano. Dessa forma, o desenvolvimento da trama acontece pela superfície, tendendo simplificar a quem assiste os andamentos e surpresas da história.
Em “O Caso Collini”, do realizador Marco Kreuzpaintner (alemão da Bavária), baseado no best-seller homônimo do escritor também alemão Ferdinand von Schirach, quer o distanciamento afetivo, de identificação, com o público pelo artifício de potencializar ao extremo o próprio elemento sentimental, quase de caricatura teatral (pelo viés presente do fio condutor, o maniqueísmo), pretendendo transmitir seriedade comportamental (tenta-se a naturalidade em vão). O longa-metragem nos soa como uma novela. Um melodrama dramático demais, que procura a cumplicidade para se fazer acreditar que as ações-reações são maduras e adultas. Não. Na verdade, é o contrário. Há uma ingenuidade quase imatura em facilitar as fragilidades do roteiro, pelos gatilhos comuns e clichês característicos (ultra sensíveis, politicamente corretos e conservadores) como interpretações orquestradas à padronização encenada (de um ensaio), incluindo, por exemplo, a técnica “Zoolander” de ser (as famosas pausas de efeito), as digressões explicativas, tudo embalado por uma trilha-sonora que aumenta e “rasga a cena” para manipular a emoção.
A própria mise-en-scène, de agilizar os cortes da edição por elipses temporais (ora por frações de segundos, ora por horas), ajuda a remeter uma “homenagem” ao cinema norte-americano, cuja narrativa é toda pensada e arquitetada para prender a atenção do espectador. Mas neste há ainda outro agravante: é um filme alemão, almejando ser global por viajar em línguas geográficas, com um protagonista turco Caspar Leinen (o ator Elyas M’Barek, alemão de Munique, com ascendência austríaca e tunisina), advogado, que sofre os preconceitos xenófobos e que, em seu primeiro julgamento “coloca todos os outros no chinelo” (Por que ninguém pesquisou nos arquivos?). A história não para por aí: carro quebrado, intercalação com um treino-extravasamento de boxe, pizzaria na chuva, deboches alemães, funcionária contratada de imediato, reviravoltas nazistas, o pai ausente que é aceito, os amigos que o ajudam do nada, a perseverança em nunca desistir, o objetivo solidário-humanista de libertar os mortos e o passado), redenção. “Preste atenção ao vento”, alguém ensina como uma metáfora de sua profissão e verdade com seu ofício.
Contudo, “O Caso Collini” não pode ser caracterizado apenas por trevas. Ainda que na ingenuidade de sua construção, o filme nos traz a questão de que o Nazismo “nunca sai de moda”. De que esse cruel conservadorismo, de psicopatia e estrutura patológica, pode vir à tona a qualquer momento. E que os próprios indivíduos sociais quando compactuam com as desumanidades (fechando seus olhos por acreditar que lutar contra o passado não resolve nada), reacendem a “ideologia do mal”. Quando se aceita que um muro seja criado para dividir os Estados Unidos e/ou que comportamentos sejam relevados por idade avançada de seus “repetidores”. Nós, ao assistir, mesmo com a superficialidade da imersão, talvez preterido desde o início de sua ideia, percebemos a mensagem-essência: a de sempre expor o que aconteceu de ruim, doe a quem doer e de que fazer o certo retifica o passado para que o presente se ressignifique e que o futuro possa ser mais naturalmente livre.
O cinema tem esse papel. Um dever. De ajudar a transformar medo em coragem. Silêncio em grito. Os seriados de televisão também vêm potencializando esse discurso. Em “A Caçada – Hunters” (da Amazon Prime Video), os nazistas precisam “pagar” pelo que fizeram. No filme “Bastardos Inglórios”, a “motivação” é a exposição pública. Aqui se busca o meio termo, mais à moda do israelense “O Julgamento de Viviane Amsalem, de Shlomi Elkabetz e Ronit Elkabetz, por tentar a atmosfera orgânica da encenação ensaísta com o intuito formal de extrair o que está por trás do conceito. Assim, “O Caso Collini” pode ser entendido como um “ação social” de seu diretor: de dizer que fez sua parte contra um das feridas, ainda abertas, de nossa trágica História.