O Atlas dos Pássaros
À procura do capital
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de SP 2021
Intrigas corporativas, enredos mirabolantes, um soldado norte-americano e o sumiço de uma grande quantidade de dinheiro compõem “O Atlas dos Pássaros”, uma espécie de comédia mórbida sobre as relações regidas pelo capital. Sem o peso dramático e subjetivo de “Entre Dois Crepúsculos”, exibido na atual edição da Mostra, o longa de de Olmo Omerzu trilha um árduo caminho para fazer jus a um título que nunca se distancia de um mero dispositivo cômico e estranho ao espectador.
Os pássaros comentam sobre as mudanças climáticas, as desgraças ambientais e sobre as intrigas familiares que vão se amontoando nessa trama onde o CEO de longa data da empresa, Ivo Rona (Miroslav Donutil), precisa mapear um dinheiro desaparecido e a principal suspeita é uma funcionária de confiança que está de férias. Nos primeiros minutos, o tom sério do registro de guerra e a terrível notícia pelo telefone são contrapostos aos primeiros planos nos rostos dos personagens e uma fotografia que suaviza a dramatização da encenação para um acontecimento que desencadeia essa narrativa de pataquadas e infartos. “O Atlas dos Pássaros” é uma obra que está mais interessada na situação corriqueira que na construção dessa história, não por acaso, sua progressão vai dando espaço à personagens duvidosos, que não aparecem na tela e identidades que sabotam alguma seriedade inerente à própria fatalidade anunciada nos primeiros minutos.
Não é uma grande surpresa o que vai ocorrer com Ivo ao fim da projeção, o filme passa longe de fazer mistério quanto a isso, mas o que interessa são os eventos que vão levar a tal ponto. Assim, a montagem salta de uma cena à outra com velocidade, sem perder tempo com digressões ou desvios bruscos, seguindo a lógica do capital perdido. Porém, essa questão dos pássaros nunca parece honesta o suficiente para fazer funcionar a investida cômica, da fofoca dos que tudo veem, muito menos flexibiliza a diretriz dessa história. Essas intenções são diretas e estão à procura dos diferentes sentidos que essa procura possui, desde o jogo de poder envolvendo os filhos, até a necessidade do pulso firme na resolução dos problemas, seja por meios legais ou ilegais. O maior problema de “O Atlas dos Pássaros” é que a trama nunca se torna interessante o suficiente para sustentar a grande quantidade de cenas com discussões sobre onde foi parar o raio do dinheiro. Além disso, a única expectativa gerada aqui tem menos a ver com a resposta e mais com a consequência da mesma.
Contudo, quanto mais o longa gira em torno disso, menos intensidade há, tudo se torna um mero motivo para seguirmos esperando o fulminante desfecho dos pássaros fofoqueiros à debater as andanças do mundo. A montagem consegue evitar grandes perdas de tempo, mesmo com o recurso, mas é incapaz de enfrentar um roteiro que está sempre disposto a reforçar constantemente que “o buraco é mais embaixo”. A quantia aumenta, os problemas também, o difícil é seguir acompanhando Ivo em seu mar de revelações catastróficas com o mesmo interesse dos primeiros vinte ou trinta minutos. Existe uma repetição aguda nas questões, nas cenas, a própria imersão em universo decadente e mórbido, enfrenta o problema desse personagem que nunca aparece, é duvidoso e por diversas vezes apenas cria alguma situação irônica sobre os sonhos diferentes entre as classes e como a ideologia dos grandes países capitalistas afeta a percepção da funcionária sobre a vida.
“O Atlas dos Pássaros” possui uma cena engraçada ou outra, mas se perde em intenções analógicas e dispositivos cômicos pouco eficientes. Soa como uma boa ideia que é construída com fragilidades excessivas, não se interessa pelos personagens da mesma forma durante toda sua projeção e apenas aguarda o fim irônico do julgamento moral dessa narrativa cheia de deslizes e pataquadas.