O Anúncio
Um golpe vazio
Por Vitor Velloso
Reserva Imovision
O humor possui uma infinidade de possibilidades na forma e “O Anúncio” de Mahmut Fazıl Coşkun trabalha em uma frente particularmente difícil. Através de uma paródia irônica parte da história Turca se funde neste barato ficcional de absurdos e pataquadas golpistas. A proposta é se distanciar do humor físico e compreender que o registro cômico se encontra na frieza da objetiva diante de cada dificuldade imposta em uma tarefa irrisória como tomar um ponto de comunicação e anunciar o golpe. Para isso, o diretor é rigoroso no enquadro direto aos seus personagens, de maneira que a exposição das falhas é transmitida no espaço sem uma intervenção direta da produção.
A intencionalidade é clara, esvaziar o sentido de suas ações e apresentar um diagnóstico material dessa história que não apenas se repete como farsa, mas encontra dificuldade na prática por uma falta de série de acontecimentos que vão levando seus protagonistas ao mais inócuo de suas representações. Nesse sentido, “O Anúncio” é bastante eficiente na elaboração de um estilo que se encerra em si, fazendo com que possíveis lastros discursivos não ganhem uma dimensão extra fílmica, pois a própria funcionalidade primária da obra parte dessa relação externa. Ainda assim, a estrutura interna consegue se resolver sem que o espectador compreenda de maneira integral os fatos ali “reprisados”, pois se isolarmos o filme em sua própria exibição, seus absurdos sustentam a ideia sem grandes dificuldades. Porém, sua forma não é de agrado geral e a falta de didatismo pode acabar distanciando parte do público.
Quem decidir embarcar na trama de pataquadas militares, pode ter alguns momentos genuinamente engraçados. Violência desnecessária contra a população em nome da pátria, troca de olhares assustados, o golpe que não possui resposta, o técnico que não tá presente e outras situações escabrosas. A habilidade de Mahmut Fazıl Coşkun para construir uma cena crítica e paródica sem grandes pirotecnias é um dos destaques do projeto, sem dúvida, aliás os planos repetidos mostram uma consciência muito clara dessa proposta. A exemplo disso, em um momento vemos os protagonistas caminharem para a esquerda, em direção à um apartamento, após uma cantoria em coreano e um bocado de conversa jogada fora, eles caminham para a direita fardados e dispostos a dar um golpe. O esvaziamento de credibilidade ocorre nos vácuos entre os momentos mais “emblemáticos” dessa narrativa. Não à toa, o espectador tem a sensação de que nada acontece durante a projeção, pois todas as tentativas são frustradas e cada um dos personagens sofre com a desmoralização completa de suas funções.
E essa proposta do “ofício”, “O Anúncio” articula como uma espécie de silhueta protofascista reacionária onde a movimentação não ocorre para uma finalidade que não esteja atrelada ao “dever”. Por essa razão, o exercício do poder aparece como uma instituição conservadora que se esvazia, pois sua representação surge de uma materialização dessa ideologia que é incapaz de realizar uma tarefa quase banal para uma força militar. A falta de um operador no aparato de comunicação já denuncia o quão prescrita a instituição se encontra na própria investida e como essa farsa se encaminha para uma falha monumental desse poder.
O longa pode não ser o maior entretenimento disponível para o brasileiro dar umas gargalhadas, mas consegue manter um sorriso no rosto de maneira constante durante o curto período de projeção. É necessário algum esforço para seguir durante o segundo terço do filme, onde o ritmo cai drasticamente e algumas ideias tornam-se repetitivas, mas o eixo final consegue um novo gás em seu anticlímax assumidamente fajuto, ainda que não consiga reanimar alguns desacreditados. Está certo que “O Anúncio” não possui grandes feitos ou ideias novas formais “novas”, mas é bastante eficaz naquilo que se propõe e consegue gerar graça em poucos movimentos, ou na ausência deles. É mais uma adição de catálogo estrangeira, ao menos não é mais uma nostalgia para acariciar o ego dos europeus.