Curta Paranagua 2024

Nyad

O feito versus representação

Por Vitor Velloso

Nyad

Chegando como adição de catálogo para a Netflix, “Nyad”, dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin, é uma boa surpresa para o público que desconhece a história da nadadora Diana Nyad (Annette Bening) e seu feito assombroso. Neste sentido, é importante que essa história possa chegar a um amplo público e ser reconhecida como merece, por outro… é a Netflix de sempre. 

Já tem algum tempo que os originais do serviço de streaming estão em decadência qualitativa, salvo algumas exceções, mas esse filme é mais uma prova de que a empresa é capaz de atingir negativamente os trabalhos de diretores e diretoras. Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin assinaram os interessantes “Free Solo” (2018) e “The Rescue” (2021). É bem verdade que ambos os longas tinham questões limitadoras e problemáticas, quanto a cadência, condução e determinados tópicos políticos, mas não deixavam de ter uma visível paixão envolvida, com uma estrutura que permitia o espectador compreender os fatos de forma progressiva, desde as particularidades até o fato incrível em si. Um dos problemas de “Nyad” é que muitas dessas etapas ficam embaçadas para o público, com saltos ou explicações pouco convincentes de como uma equipe se forma, do trabalho que foi realizado etc. Por exemplo, o momento em que vemos Diana Nyad e Bonnie Stoll (Jodie Foster) discutindo quais são os planos iniciais de preparação para uma travessia em mar aberto que soa impossível (Havana x Flórida), tomamos dimensão da complexidade dessa operação, para além da questão física, porém, o filme trata tudo de maneira muito passageira, criando lapsos temporais e materiais assustadores. Se o problema inicial é conseguir um local adequado para treinamento, elas aparecem no México. Se o problema é conseguir um especialista em tubarão para conseguir afastar os predadores de Nyad, um grupo de pessoas aparece na frente delas. Se o problema é um especialista em navegação e corrente marítima, um senhor aparece na frente deles. 

Essa tônica se repete o filme inteiro, com soluções que parecem absurdas, um limite financeiro que parece não existir. Em um trabalho mais cuidadoso, poderíamos entender como esses contatos se estabeleceram, mas o longa parece preocupado demais em saltar para a travessia monumental de sua protagonista, sem explicar nenhum desses processos, tornando a experiência sempre incompleta e apressada. Outro fator problemático do filme é a montagem, assinada por Christopher Tellefsen (“O Menu”, 2022; “Um Lugar Silencioso”, 2018; “A Vila”, 2004), que fragmenta o longa inteiro com recortes de reportagens, material de arquivo e flashbacks. Assim, “Nyad” sofre com uma progressão calma e lógica, sendo sempre interrompida por blocos que atravessam a narrativa, fazendo com que perca ritmo drasticamente ao longo da projeção. E os flashbacks são um problema à parte, pois há uma necessidade ampla da obra de expor o passado da nadadora, desde seus primeiros movimentos na profissão/paixão até a terrível história de abuso que sofreu quando criança. Isso é relevante para a construção dramática da personagem, contudo a montagem insiste de forma agressiva nestes inserts, como na cena do abuso, onde o espectador já havia compreendido o que aconteceu, a personagem já tinha comentado e ainda assim entra uma cena menos sugestiva e mais gráfica, sem necessidade alguma. Sem contar as inúmeras vezes que vemos o esforço de Nyad se dividir com flashes rápidos que atravessam a tela e criam uma espécie de luz estroboscópica de memórias, criando uma confusão visual desconfortável. 

Entre os muitos fatores que prejudicam “Nyad”, é possível citar ainda as cenas que procuram representar os delírios da nadadora com a desidratação e excessos de água salgada ingeridos. São breves passagens com efeitos especiais comprometedores e que desagregam fortemente na experiência. Ainda assim, o filme consegue se manter relevante como adição de catálogo, justamente por trazer uma história que muitas pessoas desconhecem ou não se lembram, tratando com alguma seriedade a perseverança de uma mulher de 64 anos que fez algo que parecia completamente impossível. Esse percurso de 52 horas, 54 minutos e 18 segundos, não foi registrado pela Associação Mundial de Nadadores em Mar Aberto e não consta como um recorde. Os motivos para isso são uma série de polêmicas envolvidas no trajeto, que não cabe mencionar aqui, mas vale a leitura na internet. Essas polêmicas, não são nem mencionadas no longa, nem mesmo em um letreiro ao fim da projeção. De toda forma, “Nyad” tem sua relevância pelo registro, em ficção, de um feito assombroso. 

2 Nota do Crítico 5 1

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