Direção: Jean-Pierre Duret & Andrea Santana
Fotografia e Som: Jean-Pierre Duret & Andréa Santana
Montagem: Catherine Rascon
Som e Mixagem: Roman Dymny
Correção de Luz: Christine Szymkowiak
Musica Original: Martin Wheeler
Piano : Edda Erlendsdóttir Som: Daniel Deshays
Produção: EX NIHILO, Muriel Meynard, KISSFILMS, Jamel Debbouze
Co-produção: MIKROS IMAGE, Maurice Prost
Duração: 90 minutos
País: França
Ano: 2008
COTAÇÃO: BOM
A opinião
É um filme que retrata uma esperança realista. Os protagonistas, deste documentário quase ficcional ou ficção documentário, sabem que o futuro é incerto. Assim, eles resignam-se com a situação e aprendem, desde cedo, a crescer, a trabalhar e a enfrentar as adversidades do caminho.
Brasil. Nordeste. Estado de Pernambuco. Um imenso posto de gasolina no meio de uma terra seca, cortada por uma estrada sem fim. Cocada tem 14 anos e um sonho, vir a ser caminhoneiro. À noite, ele dorme na cabine de um velho caminhão e durante o dia faz bicos e ajuda no posto. O pai dele foi assassinado, então ele encontrou um pai adotivo, Mineiro, um caminhoneiro que se preocupa em conversar com ele e em apoiá-lo quando a tentação do dinheiro fácil torna-se mais forte que tudo.
Enquanto isso, Nego de 13 anos vive numa favela cercado de uma família de numerosos filhos. Ele cuida das cabras, mas além de trabalhar, sua mãe quer que ele vá à escola para ter uma boa educação. Mas Nego quer partir, ganhar dinheiro. À noite, ele ronda o posto de gasolina, fascinado pelas vitrines iluminadas, pelos comerciantes que vendem de tudo e pela comida abundante.
Com seu amigo Cocada, ele olha o movimento intenso dos caminhões e dos viajantes de passagem. Tudo fala a eles deste grande país do qual eles não sabem nada. Com esta maturidade singular que se adquire muito cedo na adversidade, eles se interrogam sobre suas identidades e sobre o futuro. A única perspectiva : uma estrada na direção de São Paulo ou em alguma outra direção.
Com co-produção francesa, os diretores mostram a diversão de crianças apesar dos percalços e sofrimentos. Esses pequenos brincam na estrada de uma rodovia, em meio a caminhões e quase atropelamentos. Animais mortos, em decomposição, estão em close (com o objetivo de chocar e introduzir, totalmente, o espectador na história, neste meio do mundo), aludindo o que pode acontecer com essas crianças.
“Porque nós somos nós”, diz-se com uma fotografia road-movie, de estrada, incluindo o calor do asfalto que permite uma imagem embaçada e fora de foco. Eles trabalham vendendo flores e porcelanas de barro pintado em uma parada de ônibus. A camera retrata somente. É como se não soubessem da gravação. Encenam as próprias vidas, entre uma propaganda ou outra de Lula, o nosso presidente do Brasil. Há naturalidade. HUmaniza-se o sofrimento e a fome. Nego e Cocada conversam sobre tudo: sonhos, o que querem ser quando crescer, sobre o ‘papa filho’ (sequestro de crianças para a retirada de seus orgãos para que transplantes possam ocorrer). A televisão mostra uma cena de violência. São metáforas cotidianas a fim de expressar o próprio dia-a-dia.
A camera participa como personagem. Há casa pequena com muitas pessoas, que assistem ao programa de televisão Domingo Legal. Há a tentativa de estudar no meio de barulhos e gritarias. O filme não julga, mas critica, sutilmente, o estado de ser daquelas pessoas, que precisam lutar por água de um carro pipa. Muitas saem chorando, porque não conseguirem. É a competição pela água, pelos restos de um lixo. O contraste acontece quando mostra uma casa do MST (Movimento dos Sem Terra) e um torneio de motocross.
Não há entrevistas. É a retratação de uma situação, de uma vida não mascarada. Um caminheiro faz o papel do diretor, perguntando por que um dos garotos, de 15 anos, vendeu a bicicleta que ele tinha dado. “Para comprar remédio”, ele diz. “Comprei a bicicleta e você a esbanja”, reclama-se o ‘presente’ vendido. “Sentimento de quê? Não sinto nada. Não quero ser mais nada”, o pequeno confessa o desespero e o descontentamento pela vida. “Se minha vida continuar, tomo veneno, tô no meio do mundo”, complementa o existencialismo da realidade.
“Tem que ser o que você é”, diz-se. Essas crianças imploram uma chance na vida. Um pouco mais. Não aguentam mais tanto sofrimento. A preocupação maior do futuro de um: “Desejo é comer”. Nego e Cocada aprendem tudo. Inclusive a manipular o carisma para arranjar um emprego. Eles fazem de tudo. Carregam sacolas, limpam vidraças em caminhões, “desmilham” (tiram o milho) e brincam de brigar. Mesmo assim cantam felizes. Não há perspectiva de vida, porém a esperança deles não morre. A mãe de um obriga o estudo. “O homem que não tem estudo não tem um bom emprego. Você vai futurar (buscar o futuro)”, ela diz.
A maturidade vem com a crueldade do conhecimento e do entendimento, como por exemplo, as constantes perdas (mortes) de pessoas próximas e ou animais. “Quero viver trabalhando”, diz-se. “Não quero cheirar cola e roubar”, complementa-se. Há os clichês da vida: o discurso pobre de Lula, o chefe evangélico de um deles. É uma existência que retrocedeu no tempo. Um faz tijolo e troca por uma vaca. Um escambo da era das cavernas.
“Não tem outro meio de viver, tem que fazer tudo”, diz-se entre conversas do que ser e como ser alguma coisa. “E como o cabra descobre que é ele”, finaliza-se com a sinceridade pernambucana, sem limitar o discurso, fala-se o que se pensa, o que se sente, o que se sofre. O longa é simples, direto, atende a finalidade de retratar um caso específico. Realiza com isso o processo de questionamento de quem está, confortavelmente, sem calor, sentado em uma cadeira de cinema, do outro lado da tela. Vale a pena ser visto. Recomendo.
Jean-Pierre Duret nasceu na Região de Savoie, na França, em 1953, de uma familia de pequenos agricultores. Depois de uma longa experiência de teatro com Armand Gatti, tornou-se perchman, e mais tarde Engenheiro de Som.
Como engenheiro de som trabalhou nos filmes de :
Maurice Pialat, Luc et Jean-Pierre Dardenne, Jean-Marie Straub et Danièle Huillet, Jacques Doillon, Agnès Varda, Nicole Garcia, Agnès Jaoui, Claude Mouriéras, Christophe Ruggia, Jacques Audiard, Arnaud Despallieres, François Ozon, Cédric Kahn, Andrzej Wajda, Claude Chabrol, Andrzej Zulawski, Yolande Zaubermann…
Filmografia
1986 – Un beau jardin, par exemple (Documentário)
1990 – Les jours de la lune
2001 – Romances de Terra e Agua (Documentário)
2004 – O Sonho de São Paulo (Documentário)
2008 – No Meio do Mundo
Andrea Santana nasceu no Nordeste do Brasil em 1964. Arquiteta e Urbanista de formação. Em 2000, com Jean-Pierre Duret, começa a realizar filmes documentarios.
Filmografia
2001 – Romances de Terra e Agua (Documentário)
2004 – O Sonho de São Paulo (Documentário)
2008 – No Meio do Mundo