Uma mulher sob influência

Por Fabricio Duque

Assistido presencialmente no Festival de Cinema de Gramado 2025

Exibido na mostra competitiva do Festival de Cinema de Gramado 2025, o novo filme de Laís (Melo) e sua estreia na direção de um longa-metragem, “Nó”, é acima de tudo uma obra de transição que se “valida” no extra campo, na sensação póstuma, subjetiva e individual, em uma evocação metafísica ao nosso universo diário (e exaustivo) de sobrevivências, provações, perdas, acertos, erros e negociações. Essa condução não é somente nominal, tampouco de gênero, mas reside em toda uma existência estrutural, de imaginários atravessados, de limites impostos a uma pseudo ordem das coisas. Não, não é, é também sobre reflexos que transcendem a própria realidade projetada, que está presente no agora. Essa passagem-transferência é factual. A realizadora e a atriz deste filme usam agora, respectivamente, apenas o primeiro nome e o sobrenome. Se uma quer validar o pessoal pelo resgate da essência afetiva, a outra pretende se firmar, focar e talvez se proteger no social.

O preâmbulo de “Nó”, uma metáfora a talvez um atrelamento que precisamos “aceitar” da vida, traz todo um questionamento em forma de ensaio ficcional sobre  as barreiras que o ser humano enquanto indivíduo participante de nossa sociedade, deve traspassar a cada momento. E sim, talvez, pelo propósito de sugerir o contraditório do real possível, este longa-metragem seja de certa forma diferente do curta “Tentei”, mas ao mesmo tempo emprega a mesma temática, entre a submissão e a ação, entre o apagamento e a atitude, entre “dançar conforme a música” (por saber que nada irá mudar) e a “rebeldia” (que semeia o começo da revolução). E nisso tudo, “Nó” levanta a principal pergunta: o que é ser mulher e até que ponto esse feminino pode chegar? E até que ponto o homem, machista e misógino, as influencia e as afeta? Que imaginário retrógrado é esse? Que aceita a violência como parte “normal” de “domesticar” a mulher, um ser mais “vulnerável” e “que deve ser para sempre um Geni”. Sim, os homens de “Nó” não aparecem em foco. Isso até gerou uma polêmica questão na coletiva de imprensa quando um jornalista disse que “não se sentiu representado no filme”. Será que esses homens sentem-se ameaçados com a força da mulher?

“Nó” desenvolve sua narrativa pelo coloquial, numa região bem mais conservadora do País, o Paraná. Pela observação do cotidiano. Pela contemplação das micro-ações do dia-a-dia. Cria-se assim um detalhamento analítico e documental de tudo o que se espera de ser uma mulher, mãe, brincalhona, quase um “robô missionário” de servição aos outros para gerenciar tudo e todos. E é aí, logo na primeira cena, que este filme busca a desconstrução da fórmula ilusória pela ambiência de uma intimidade orgânica. Esse tempo naturalista em muito de sua câmera próxima numa estética fotografia de saturar ao máximo a própria realidade. O que vemos é uma mulher exausta que vive sob influência. E por pequenas revoltas contra “negativos”, o mundo hostil, marido “com dor de macho”, a colonial de uma “casa de espelhos” e a “visão do ego”: deixar cabelos no sovaco, trabalhar em um uma fábrica (e muito longe de sua casa – e com a possibilidade de “subir na carreira”), dormir no chão, não ter tempo para vaidades, mas com a “permissão” de receber prazer com uma manga. Nossa protagonista precisa fazer de tudo para sobreviver. Há um que competitivo de “Round 6” e muitas vezes até permite “que eles desgatem sua alma”.

“Nó”, que se apresenta como um filme de cenas, quer a vida real, quer o improviso roteirizado do popular, quer incluir os contrastes de seres “destoantes” dessa nova sociedade “progressista”. Até quanto um corpo aguenta tanta pressão? O surto nesse caso pode ser considerado uma consequência defensiva? “Nó” traz todo um estudo por “cobaias” em situações de choque, para assim embasar a própria tese que não dá mais para continuar assim. E sim, eu, sendo homem, nunca saberei o que é sofrer isso na pele. Mas é aí que está todo o poder a arte, e, principalmente, na força narrativa do cinema de Laís, que ainda “sofre” com tantas transições. A maestria de seu filme está na forma escolhida: é sensível, empático, tem lugar de escuta e de fala, quer discutir e ensinar o certo. Quer usar a ficção para nos fazer olhar com aprofundamento os problemas documentais de nosso dia-a-dia. E isso tudo muito pela interpretação da atriz (Patricia) Saravy, irretocável, precisa, cirúrgica, visceral, patológica, humana, ultra naturalista e de se permitir ser “possuída” pela personagem. O casamento foi perfeito neste filme, que desenhou um novo futuro para a nossa existência como seres ainda presentes nesta Terra de provas, expiações e tantos estágios cíclicos de retrocessos. Parece mesmo que o povo “de fora” gosta de um drama. Deve ter algum fetiche em reacordar a retrógrada moda nostálgica. Enfim, “Nó” é também uma analogia a de que cada um está sozinho, sem o “nós”, em busca de resetar conexões com afinidades e com o que realmente importa no Mundo.

4 Nota do Crítico 5 1

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