Ney – À Flor da Pele
Assumindo os pecados
Por Vitor Velloso
Durante o Festival Recine 2021
Felipe Nepomuceno vem se debruçando com alguma veemência em debates diversos da cultura nacional, seja com “Lugar de Fala” (2019) ou “Eduardo Galeano, Vagamundo” (2018), sua cinematografia vem ganhando um corpo relevante nos debates brasileiros. “Ney – À Flor da Pele”, seu novo trabalho, possui algumas de suas características com determinados dispositivos, mas acaba se fragilizando por repetições formais que não possuem a forma de seu próprio personagem.
Enquanto Ney Matogrosso é conhecido por sua versatilidade provocadora, o documentário de Nepomuceno acaba traçando um certo percurso musical a partir de canções do artista. É mais um recorte parcial que uma análise da obra, ou mesmo uma biografia. Como uma singela homenagem ao grande performer/artista/cantor brasileiro, funciona momentaneamente, já que não é fácil fugir da cantoria à cada nova canção que aparece no projeto. Porém, quando o assunto é Ney, a montagem parece restringir o desenvolvimento do filme aos clipes, canções, momentos do artista e depoimentos de amigos e contemporâneos, o que transforma a experiência em algo previamente estancado, que nunca chega à altura de seu objeto. Existe um certo ciclo vicioso que fica claro conforme a projeção avança, temos um momento de entrevistas e falas coletadas de arquivos televisivos, que sempre dão sequência à mais uma música que toma conta da projeção. Esse esquema faz com que a dinâmica flua de maneira relativamente agradável, mas tão previsível que não chega a empolgar.
Por mais que “Ney – À Flor da Pele” reconheça nas letras parte de sua construção como algo necessário ao documentário, em determinado momento a coisa se fragiliza e começa a tornar-se cansativo não pela figura principal, mas por essa cadência que não se renova. O que difere por completo do campo forma de Ney, que está sempre em constante movimento. O longa de Nepomuceno é engessado, com certa possibilidade de desenvolvido na estrutura, mas que está tão preocupado em curvar-se diante da obra do cantor, que acaba se deixando levar por essa paixão. Quando o filme não consegue inserir as falas mais recentes e contextualizar a própria importância de falar de sua carreira e da pessoa em si, nota-se que o projeto dá lugar à uma certa previsão de como ele e Caetano se tornaram “profetas” do corpo, preconizando o século XXI etc. Mas em nenhum momento podemos ver Ney, hoje, que já fez discursos diretos sobre a atual situação do Brasil, como em 2018 durante a conversa sobre “Sol Alegria” de Tavinho Teixeira. Ou seja, não é apenas o que Ney Matogrosso foi, mas o que é. E infelizmente, as coisas não conseguem sair da homenagem em tom imediato, findando nessa nota de eternidade da obra, sem que o espectador sinta essa crescente no próprio longa.
Uma questão da cinematografia do autor vêm sendo esta, ideias interessantes que não conseguem se firmar diante da tela por uma falta de rigor formal que não pode ser compreendida apenas com o dispositivo, quando não na superficialidade que a objetiva possui diante da própria montagem. Aqui, trabalhar apenas com arquivo, pode ter sido um passo importante para que Nepomuceno desenvolva seus filmes para algo que consiga abranger mais do que o objetivo primário, como em outros casos de sua cinematografia, não existe um diagnóstico, muito menos um desenvolvimento que possa ser compreendido a partir do que é apresentado. É uma exposição quase momentânea de algo que quer ser trabalhado, ainda que esteja limitado naquela fração da projeção, onde seu término dá por encerrada a continuidade de seus temas. E no caso de “Ney – À Flor da Pele”, isso faz ainda mais falta, já que a contemporaneidade de Ney Matogrosso busca no espectador um brio distinto para enxergar o Brasil de ontem e o de hoje, transar e semelhanças.