Nem Deus é Tão Justo Quanto Seus Jeans
Melancolia e nicotina
Por Vitor Velloso
Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025
Entre o luto, depressão, cigarros e um cachorro chamado Baby, “Nem Deus é tão Justo quanto seu Jeans” de Sergio Silva, propõe ao espectador um retrato da depressão e dos afetos, com diálogos construídos a partir de uma lógica alternativa, que desloca as interações dos personagens para um lugar, no mínimo, peculiar. A construção estética é hábil na representação de um universo relativamente simples, com enquadramentos que posicionam o protagonista em um espaço de constante isolamento emocional. Não por acaso, Baby, o cachorro, torna-se um personagem importante para o desenvolvimento dramático do filme, seja pelas questões que giram em torno de sua presença nas cenas ou pelas mudanças de perspectiva que Marcos (Igor Mo) passa a ter sobre sua vida e seu cotidiano.
Nesse sentido, a fotografia, assinada por Flora Dias, constrói uma repetição estética que cria uma espécie de ciclo vicioso na própria imagem. Assim, com diálogos que geram constante estranheza, uma estrutura cíclica e problemáticas frequentemente retomadas, a sensação é de que o longa se arrasta sob um peso existencial, como se precisasse se apoiar nas paredes para permanecer de pé — uma exaustão que permeia toda a experiência. Essa atmosfera reflete as sensações vividas pelos personagens, marcadas por uma energia quase moribunda. Contudo, essa gravidade que puxa tudo para a fragilidade constante do protagonista pode criar barreiras na experiência do espectador, especialmente pelos diálogos. “Nem Deus é tão Justo quanto seu Jeans” muitas vezes transmite uma sensação de confusão, já que as conversas entre os personagens não fluem naturalmente e possuem traços de rigidez, reforçados por atuações que expressam abatimento, com falas e ombros baixos.
Essa característica pode resultar em uma experiência arrastada, sem uma sensação clara de progressão. Ainda que essa escolha seja proposital, incomodou parte do público, levando alguns espectadores a abandonarem a sessão antes do fim. No entanto, isso não desarticula os pontos altos do filme, como a relação entre o protagonista e sua terapeuta, a Dra. Juliana, interpretada por Gilda Nomacce. As boas atuações garantem que os diálogos fragmentados e explosivos entre eles funcionem com alguma naturalidade, ainda que de forma pouco ortodoxa. A direção de arte, assinada por Gustavo Vinagre, Sergio Silva e Thais Almeida Prado, diferencia bem os cenários e momentos distintos do protagonista, com o suporte da fotografia, que contribui para criar esses contrastes.
Esse tipo de obra, que mescla depressão com pequenos momentos de comédia, explorando um tom cômico na presença fantasmagórica que atormenta o protagonista, tem ganhado espaço na produção brasileira. A encenação encontra um desenho estético convincente para desenvolver sua verve melancólica, enquanto a montagem de Marco Dutra equilibra contemplação e ritmo sem perder a cadência. O problema é que essa abordagem formal parece repetir um padrão recorrente no cinema brasileiro dos últimos anos, especialmente nas obras da Aurora da Mostra de Tiradentes. Assim, há uma sensação de familiaridade que pode reduzir o impacto do filme em certas sequências.
Apesar de seus méritos estéticos e de sua construção formal bem definida, “Nem Deus é tão Justo quanto seu Jeans” enfrenta dificuldades para manter a atenção do espectador de forma integral, seja por sua lentidão, pelos diálogos incomuns ou pela repetição de elementos estilísticos que já se tornaram frequentes no cinema brasileiro recente.
“Nem Deus é tão justo quanto seu jeans” apesar de seus méritos estéticos e de uma construção formal consciente de sua estrutura e desenvolvimento, o filme encontra alguma dificuldade de manter a atenção do espectador de forma integral, seja por sua lentidão, diálogos que geram estranhamento ou por essa permanência de um status de filmes que possuem as mesmas características. Esse método de introspecção, embora eficiente na criação de uma identidade estética, pode reforçar um certo distanciamento com o público, especialmente quando a condução dos diálogos e das situações se torna excessivamente hermética. Ainda assim, encontra momentos de identidade própria em sua abordagem da depressão e do isolamento, equilibrando o peso existencial da narrativa com lampejos de ironia e um humor sutil, mas o maior mérito é dos atores nessa construção.