Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade
A visualidade do sentimento
Por Vitor Velloso
Mostra de São Paulo 2022
“Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade”, dirigido por José Miguel Ribeiro, é uma animação de forte impacto visual, na qual parte da história sobre a guerra civil angolana (1975-2002) é representada no drama de três personagens: a neta Yara, a avó Lelena e a filha Nayola. Compreendendo diversos elementos do realismo fantástico, o filme demonstra a angústia de suas protagonistas e do país, por meio do protesto e da necessidade do embate com autoridades e dramas pessoais.
Por meio da animação, o longa é capaz de entrelaçar arte, expressão, memória e resistência em uma narrativa que aborda tanto os elementos concretos da realidade angolana quanto uma base mitológica, que proporciona os momentos mais belos do projeto. Dessa forma, ao contextualizar o espectador sobre a Guerra Civil de Angola, por meio das perspectivas geracionais e de suas fábulas, “Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade” consegue provocar sentimentos imediatos no público, mesmo que enfrente alguma dificuldade em costurar os fragmentos das histórias de suas personagens. Assim, embora o público possa ter dificuldade em encontrar fluidez entre as transições de cada narrativa, a proposta estética consegue ser cativante e sustenta parte da experiência por meio de seu apelo visual — ora no passado, ora no presente, ora atravessando a cultura angolana sob uma perspectiva não material. Pode ser particularmente desafiador acompanhar todas as camadas propostas pela obra, mas essa complexidade é o principal agente que enriquece as relações e os dramas apresentados. A narrativa atravessa magia, história, fábula, política e amor, utilizando as mudanças nos estilos da animação e na estrutura do roteiro para ampliar sua densidade. Entre as dores, a memória, o conselho, a persistência e a rebeldia, os elementos se concretizam como os verdadeiros pilares dessa história, enquanto a capacidade de mudança estética se torna o principal motor de toda a projeção.
Em um determinado momento, vemos um recorte da guerra, com pessoas morrendo, explosões acontecendo e dois personagens caminhando obstinados em meio ao caos, distorcidos pelo traço do desenho, o que cria um contraste que reforça as características dessas figuras. Em outro, para ilustrar os conflitos internos de uma personagem, “Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade” utiliza a distorção do espaço-tempo, abrindo espaço para que o público vislumbre uma série de elementos envolvidos em seus dramas e angústias, retomando símbolos e explicações metafísicas de eventos. No entanto, não há a intenção de manter um diálogo monótono entre a história e essa representação fantástica, e o filme se esforça para se aproximar das expressões contemporâneas de resistência, as quais podem ser compreendidas em suas capacidades análogas de debate político e público. Nesse sentido, a personagem de Yara surge como um contraponto e como representação dessa luta política, que permeia todos os momentos da obra. Seu desejo de embate é canalizado na forma musical, com rimas de rap e discursos combativos. De alguma maneira, ela talvez seja um dos elos frágeis do roteiro, já que é sustentada principalmente como uma ponte entre as demais personagens, que, em certa medida, enxergam em Yara uma energia análoga à delas, mas ainda imatura.
Outro ponto de destaque em “Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade” é a forma como o filme aborda o papel do feminino em um contexto de guerra e reconstrução. As três gerações de mulheres são representadas como agentes de mudança, cada uma à sua maneira. Lelena, como avó, simboliza a memória viva e o vínculo com as tradições; Nayola, a mãe, encarna a busca e o sacrifício; e Yara, a neta, representa a rebeldia e a renovação, conectando o passado à luta contemporânea. Essa construção torna a obra uma poderosa reflexão sobre a resiliência feminina e a transmissão de valores e histórias através das gerações, reforçando a importância do papel das mulheres na perpetuação da identidade cultural e na resistência às adversidades no contexto apresentado pela obra.
Além disso, “Nayola: Em busca de Minha Ancestralidade” utiliza a animação como um recurso narrativo que vai além do estético, funcionando como um meio de desconstrução e reconstrução da realidade. O contraste entre os traços suaves e os cenários devastados, as mudanças abruptas de estilo e as incursões ao fantástico criam uma experiência potente para o espectador que se dispõe a mergulhar no filme, relevando alguns problemas estruturais que comprometem o ritmo do projeto.