Nas Sombras
A onipresença e a vigilância
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2021
“Nas Sombras”, dialoga em parte com a temática central da presente edição da CineBH, que discute “Cinema e Vigilância”, oferecendo uma ficção científica que trabalha com o recorte da supressão das liberdades dos trabalhadores em um mundo onde as câmeras são onipresentes. O filme de Erdem Tepegoz é mais real do que gostaríamos, apesar de trabalhar outras nuances da exploração do trabalho, como sua construção não parte do monitoramento como conhecemos, permite uma abordagem que sintetiza parte dessas relações nos próprios dispositivos tecnológicos. Aqui, a vigilância decide inclusive seu futuro, quando analisam constantemente sua condição física para seguir no trabalho.
A questão da tomada de consciência diante da situação, aparece aos poucos na figura do protagonista, que passa a questionar essas formas de dominação/destruição dos operários, que coletivamente se veem fragmentados e frágeis diante do aparato. O tom sombrio dessa onipresença do patrão, faz com que o espectador compreenda que a incapacidade da luta, está diretamente ligada à falta de “pontos cegos” dessa estrutura. “Nas Sombras” até possui uma narrativa interessante, mas é arrastado e não se permite desenvolver determinadas questões que seriam capazes de ampliar seu espectro social para uma construção que expandisse certos aspectos. Por exemplo, a própria luta silenciosa que o personagem central passa a travar, não é capaz de mobilizar outros trabalhadores e compreender que essa ideologia que permeia o mundo, está em constante decadência, apesar de sua brutalidade. O próprio personagem marginalizado, que acaba servindo de recurso didático para um pano de fundo que dê conta da finitude de toda essa capilarização da exploração, não oferece ideias que saiam de um certo lugar comum dos múltiplos fatalismos que perpassam as discussões.
Assim, quanto mais avançamos na obra, as tensões não se agudizam o suficiente para que um estopim possa existir, pelo contrário, a linguagem passa a cercar esse universo com seus planos mais próximos, mostrando as repetições das paisagens na intenção de reforçar o cotidiano como a própria tomada da consciência de classe. Essa inversão da perspectiva, revela uma proposta curiosa do filme, mas não sustenta a unidade e apenas expõe algumas fragilidades do longa que, assim como seus personagens, gira em círculos. A ambientação de “Nas Sombras” acaba chamando atenção, já que essa distopia vai se materializando nas ruínas da sociedade, como quem grita contra a inevitabilidade dessa opressão. Contudo, os cenários também vão se repetindo à exaustão, para criar o efeito já mencionado, levando o espectador a perceber que parte desse aprisionamento da trama, vem da própria falta de expansão da questão para além do simbolismo dos dispositivos tecnológicos. É um ludismo às avessas, pois compreende a ineficácia desse tipo de enfrentamento, mas suprime a representação dessas relações a tais aparatos, ou seja, encerra as figuras centrais nas próprias máquinas.
Ainda que “Nas Sombras” seja eficiente na contextualização desse universo, parece excessivamente preocupado em trabalhar as dimensões dramáticas do eixo central e não consegue ir além das obviedades. Cai em um lugar comum pouco eficiente e acaba sendo tedioso na maior parte da segunda metade, com um esquema de reforçar certos pontos anteriormente colocados, agora na nova etapa de um processo. Estranhamente, quanto mais prático o filme fica, a materialidade parece suspensa e a abordagem psicológica também vai se desfazendo para dar lugar à uma dinâmica que se encerra na imagem, sem um conflito sólido as coisas vagam de um lado para o outro com uma resolução que adia um certo compromisso com o fatalismo que rege boa parte do tempo. Apesar de algumas boas ideias, o negócio realmente se perde e dificilmente algum engajamento será mantido na mesma nota. Alguns excessos nas alegorias frustram pesadamente uma experiência que foi comparada, por alguns, à “Danação” de Bela Tarr. Se um detalhe ou outro da direção de arte é suficiente para fazer essa comparação, aí a coisa faz algum sentido.