Não Mexa com Ela
Uma parábola do poder de uma mulher
Por Fabricio Duque
Finalmente, o comportamento de uma mulher em situações de risco perante um homem nunca mais será a mesma de como era antigamente. Ainda que a sociedade não tenha acordado de anos e anos de condicionamentos machistas, o sexo feminino aprendeu a jogar com as mesmas armas de seus malfeitores. Na verdade, elas aperfeiçoaram o método e tomaram as rédeas da batalha contra o assédio moral-sexual nos ambientes de trabalho.
“Não mexa com Ela” (2018), dirigido pela israelense Michal Aviad, segue essa premissa para realizar um intimista estudo de caso sobre essa violência (que foi “ensinada” a ser silenciosa e calada), estimulada por um estágio de vulnerabilidade, em que o abuso-investida precisa ser “relevado” para que traga “dor de cabeça”. Sim, inúmeros casos agora começam a pipocar na mídia. Segurança em um mundo melhor e mais humano?
Se procurarmos exemplificações no cinema, teremos mais chefes mulheres assediando seus funcionários (como em “Assédio Sexual”, “Quero Matar Meu Chefe”, no seriado “Homens”) que o contrário (como no seriado “Mad Men”), porque na verdade é quase um clichê, uma errônea prática recorrente que ao longo dos anos se aprendeu a aceitar como normal.
O longa-metragem vem na contramão (principalmente por ser uma obra de Israel) com o intuito de aumentar o “contrário” mencionado acima, que junto com o filme “Mulheres Armadas, Homens na Lata”, do francês Allan Mauduit, que estreia nos cinemas na mesma semana, reverbera uma revolta, ainda que por uma “andorinha que quer fazer o próprio verão”. Se na terra da baguete a condução é à moda de Quentin Tarantino, aqui, o espectador encontra similaridades cinematográficas com a estética imersiva sensorial de situações coloquiais de “A Separação” (2011) e “O Apartamento” (2016), ambos dirigidos pelo iraniano Asghar Farhadi.
“Não Mexa com Ela” não quer só analisar as reações da personagem diante seus dilemas morais, mas também estimula-la a encontrar a força e a perspicácia manha da vida, a fim de sobreviver. É uma parábola moderna e realista que nos confronta com questionamentos “se a culpa pelo ocorrido também não foi dela”, esse pensamento condicionado e enraizado que pulula a mente e o achismo dos seres humanos mais liberais com as possibilidades existenciais dos indivíduos sociais. É também um estudo antropológico sobre o agir. Sobre a repetição dos temas universais que nunca saem de moda porque nunca deixam de nos pertencer.
A narrativa constrói a mise-en-scène com câmera na mão, próxima e já iniciada na ação. Assim, o público é convidado a observar os dramas cotidianos da intimidade de um casal (o restaurante do marido, o novo emprego da mulher e “muita paciência para fazer acontecer”), que pode inferir a “Proposta Indecente” (1993), de Adrian Lyne, pela insinuação do dinheiro que compra tudo e todos. Michal Aviad tinha duas possibilidades: adaptar-se a Hollywood e ou seguir as características do cinema local. A diretora optou pela segunda.
Em “Não mexa com Ela”, a protagonista Orna (a atriz Liron Ben Shlush) vislumbra o olhar com as oportunidades, encantada com a viagem a Paris e ou o doce Halva, por exemplo, doce do Médio Oriente feito de sementes de gergelim torradas, moídas e misturadas com açúcar derretido). Precisa ser “mais classuda” para vender apartamentos de frente ao mar a ricos judeus franceses. E aos poucos, cantadas “brincadeiras” ficam mais constantes por não “encontrarem resistência”. É o dilema do contar. De ser mais um vítima. Com o medo da descrença dos outros. Ela analisa ressabiada os prós e os contras e “vida que segue”, confiando e desconfiando. Entre facilitações, a semente da dúvida é plantada. A pressão do marido por dinheiro pode influenciar uma decisão de quietude passiva? É sempre distância de um, aproximação do outro. Sim, o universo funciona por preenchimentos. Não há espaços vazios. É separar para conquistar.
“Demora algum tempo para as pessoas se acostumarem com algo novo”, diz-se. “Não Mexa com Ela” é muito mais sobre a objetivação da figura feminina. É muito mais mais o estupro. E sim, é sobre a culpa que a mulher traz de ser mulher. De convencer clientes de que é uma profissional de qualidade. E não só um par de pernas. O pós-acontecimento causa distúrbios a ares de loucura. Mas a força e perspicácia está com ela, que tenta tudo a seu favor. E assim, sua diretora consegue criar uma parábola moderna de luta feminista.