Nada de Novo no Front
As Faces da Guerra
Por Pedro Sales
O recurso estilístico mais potente do cinema moderno é o plano-sequência. Não que seja uma novidade na linguagem cinematográfica, mas seu uso, sobretudo nos filmes de guerra, demonstra a força e a necessidade da técnica. Alguns filmes já ambicionaram emular a realização em plano sequência, em um só take, do clássico “Festim Diabólico” (1948) ao recente “1917” (2019), de Sam Mendes. O russo Alexander Sokurov foi além e filmou os 96 minutos de “Arca Russa” (2002) com uma steadicam, sem truques para esconder os cortes, de fato, filmado em uma só tomada. Em “Nada de Novo no Front” não é por acaso que a obra se inicie com plano-sequência. A fluidez da câmera acompanha o movimento dos corpos, dos que fogem e dos que caem no campo de batalha. O recurso evoca, portanto, imprevisibilidade na condição de guerra, uma sensação de perigo tão cara aos filmes do gênero. O tempo transcorre na tela pelo plano sequência – aqui, de forma dinâmica e rápida –, sendo assim, ele é a antítese da elipse, outro elemento fundamental da gramática do cinema.
O longa alemão, dirigido por Edward Berger, é adaptação do livro homônimo de Erich Maria Remarque, o qual já foi aos cinemas antes, em 1930, com a versão de Lewis Milestone. A premissa parte da Primeira Guerra Mundial e a inocência da juventude alemã em defender sua pátria e alçar a glória por meio do conflito. Estes desejos são personificados na figura de Paul Bäumer (Felix Kammerer) e seus amigos, voluntários na guerra. A obra estabelece, portanto, um claro contraste entre expectativa e realidade. O sonho se torna pesadelo e cada vez mais brutal.
O filme constrói gradativamente a sensação de ansiedade nas telas. A trilha sonora se vale de rufar de tambores e notas graves de sintetizadores. Todos esses sons promovem uma sensação de urgência, a qual é ampliada pelo uso do plano sequência. A atmosfera de vulnerabilidade da vida no contexto da guerra é palpável e torna as conexões mais fortes, seja entre o espectador e a obra ou entre os personagens, por exemplo. O vínculo entre os soldados nas trincheiras é imediato, uma vez que a morte paira ao lado. Ler uma carta para um, dividir o cachecol de uma mulher com os companheiros são algumas ações que aproximam mais os combatentes, muito mais do que o patriotismo e a noção de pertencimento à nação alemã. Essas relações são o que mantém o resquício de humanidade nos homens que se transformaram em máquinas de matar.
Se por um lado os soldados perdem a essência humana, suas feições e suas faces demonstram a desilusão de entrar em uma guerra, os senhores da guerra, do alto de suas posições, jamais experimentam dos horrores dos campos de batalha. O General Friedrich (Devid Striesow), sempre enquadrado só e distante, é indiferente às perdas de tantas vidas da juventude alemã, ambicionando, a todo momento, uma vitória impossível. O deputado Erzberger (Daniel Brühl), por outro lado, abre negociações com o governo francês para tratar de uma rendição. A alternância entre campo de batalha e bastidores da guerra, no entanto, não é muito efetiva. As cenas parecem apenas contextualizar como o conflito chega ao fim, mas sem identificação alguma do espectador com as figuras de poder.
O principal destaque de “Nada de Novo no Front” é, de fato, o núcleo bélico da obra. A atuação de Kammerer incorpora a decepção e desilusão da juventude combatente. O sorriso ao conhecer a França se desvanece no primeiro momento de tensão, uma explosão em que os restos mortais da vítima chegam até ele. A expressão do ator é dura ao decorrer do longa, seu rosto surge impassível, como se nada mais pudesse afetá-lo – o que depois se prova falso. A câmera de Berger trata de refletir o sentimento do personagem para o público por meio da violência gráfica. O impacto visual é o que aproxima a experiência de quem assiste a de quem viveu, guardadas as devidas proporções, obviamente. A câmera, então, opera como testemunha da brutalidade da Primeira Guerra. Desmembramentos, mutilações e explosões são apresentadas de forma muito frontal e direta, com o efeito do choque.
É evidente que a obra de Remarque, adaptada por Berger, possui um discurso antiguerra e antimilitarista bem demarcado. Por este motivo, o livro foi proibido durante a ascensão do Terceiro Reich na Alemanha. A cada plano do filme torna-se claro os males da guerra, seus impactos e o desperdício das vidas. O conflito traz apenas destruição. Aos que morrem, famílias arrasadas que recebem apenas a dogtag, placa de identificação militar, com o agradecimento pelos serviços prestados. Aos que sobrevivem, a eterna memória da brutalidade e terror dos campos de batalha.
“Nada de Novo no Front” trata da guerra com repulsa, sob as lentes de quem viveu os horrores das trincheiras. O peso emocional do conflito é evocado por cenas fortes e pela aniquilação da essência do protagonista. Sobreviver não significa vitória no combate, as marcas permanecem para sempre. A crueza das cenas, aliadas ao excelente trabalho técnico de caracterização, exercem o impacto visual desejado e, mais importante, transmitem densidade dramática, causando reflexão. A obra encontra ecos na contemporaneidade, quando jovens são sacrificados a mando dos senhores da guerra, sentados no Kremlin ou em Kiev. O filme propõe demonstrar as faces da guerra, em especial a dos que mais sofrem por causa dela.