Mostra Um Curta Por Dia - Repescagem 2025 - Agosto

Nada

A linguagem experimentada de um filme-processo

Por Fabricio Duque

Assistido presencialmente no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro 2024

Nada

Nada. A palavra ambígua, que significa a letargia do não agir e também a necessidade da ação automotora para não se afogar, é usada pelo diretor brasiliense Adriano Guimarães para construir uma ambiência narrativa da estranheza metafísica. Com roteiro de Emanuel Aragão, o longa-metragem “Nada”, exibido na mostra competitiva da Mostra Brasília do Festival de Brasília 2024, saindo vitorioso na categoria de Melhor Direção com o 26º Troféu Câmara Legislativa. O filme é acima de tudo um convite à reflexão da existência de doenças misteriosas, neste caso alterando os estados de consciência e a percepção da realidade, tudo por um percurso na experimentação da linguagem que recebemos, quando principalmente escolhe os efeitos-consequência da personificação da abstração surrealista que está em nossas sinapses.

“Nada”, além de querer ser uma experiência sensorial, almeja também discutir e conscientizar o social. Ao imprimir a ideia ficcional para aprofundar o real, seu diretor usa todos os símbolos condicionados, coloquiais e já internalizados de nosso cotidiano, como iniciar o filme com uma chamada de vídeo. Não há nada mais “vida em tempo real” que isso. E também mudar para a cena observação de ações acontecendo, a de uma madeira sendo cortada, por exemplo. Seguindo com os artifícios temporais narrativos de câmera subjetiva, elipses, e assim “Nada” escolhe não focar no entre, na espera e no próprio nada que antecede o acontecimento mais “importante”.

Sim, quando um filme escolhe seu gênero, e, neste, nós somos conduzidos pelo experimental, pode sim cair em armadilhas características e se aprisionar na própria teia. Porque há uma necessidade (e um cuidado) maior para manter o equilíbrio e o ritmo, entre silêncios, contemplações (ainda com um que de editadas), manipulações narrativas, cenas mais estendidas e diálogos. Ao achar que pode lidar com o tudo, com a problematização de várias questões sociais, seu diretor tem muito mais trabalho, e, sempre, inevitavelmente, se perde e/ou se mostra mais forçado que o natural. “Nada” é acima de tudo uma obra de reconstrução relacional de mãe e filha. De memória e importância. De pertencimento e esquecimento. Tudo sendo contrastado entre vida cidade e vida fazenda. Da correria (e a “aventura” de pegar sinal do celular) ao tempo do tirar o leite e do fazer o queijo.

“Nada”, não sei ainda se proposital, não esconde o tom mais artificial, mais encenado, menos naturalista e exageradamente técnico. Talvez isso seja o olhar mais orgânico da câmera, em seus ângulos mais caseiros, para que assim possa criar uma intimidade-identificação maior, como descrever a casa. Mas por outro lado talvez esse é o real objetivo: o de construir lembranças mais analógicas, pela gravação, para assim perpetuar a própria memória do agora no futuro. Mesmo sendo mais explícito esse sentimento, o longa-metragem faz um percurso longo a seu objetivo, perdendo inclusive o próprio espectador, que por sua vez precisa ser cúmplice do conceito apresentado.

Ao chegar no real desenvolvimento da ideia: a da força “oculta” de antenas, “Nada” nos retorna à estranheza misteriosa da existência, à curiosidade e ao absurdo (e inclusive alguns efeitos especiais e “colaterais”). E praticamente, sem spoilers, torna-se um conto bem à moda do escritor português José Saramago, que inclusive já usou algumas das “viagens psicotrópicas” presentes neste filme em questão aqui. Talvez o mais interessante sobre “Nada” é a sua falta de explicação. A sua fábula, mais artesanal, de teatro rudimentar, em forma de captar presenças, dilemas e em multimídias, num misto de David Lynch e M. Night Shyamalan, desenha o ingênuo e o mais caseiro para chegar à dinâmica essencial do lugar e de seus participantes.

Sobre o roteiro, seu diretor e seu “parceiro criativo” Emanuel Aragão, em entrevista ao Correio Brasiliense disse que “a partir de uma peça teatral homônima que se passava durante uma festa de aniversário e que durava uma hora e meia, em tempo real, sem elipses temporais. Não havia informações sobre o passado de personagens, nem um desfecho claro. A partir disso, começamos a imaginar como seria revisitar a relação das duas personagens principais, Ana e Teresa, em outro contexto. O processo de criação do roteiro foi longo. Desenvolvemos a história juntos. Como costuma acontecer, o resultado final ficou bem diferente das ideias que tínhamos no início”. E assim, para concluir, “Nada” é ainda mais acima de tudo um filme-processo, de tentativas e de impressões.

2 Nota do Crítico 5 1

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