Na Rédea Curta
Mãe, filho e boas risadas
Por Pedro Sales
O lendário diretor Francis Ford Coppola disse, no documentário “Francis Ford Coppola – O Apocalipse de Um Cineasta” (1991), que sua “grande esperança” eram as pequenas câmeras 8mm. Segundo o cineasta, a popularização do equipamento técnico do cinema seria capaz de reinventar a arte. “E pela primeira vez, o chamado profissionalismo dos filmes será destruído, para sempre, sabe. E se tornará realmente uma forma artística”. O que Coppola não imaginava, nos anos 90, é que a evolução digital, aliada à democratização dos meios, seria capaz de tornar qualquer pessoa um aspirante a cineasta. É neste contexto que surge a websérie “Na Rédea Curta”. O canal no YouTube possui mais de 400 mil seguidores e ultrapassa as 74 milhões de visualizações. O sucesso, entretanto, não é fruto de um apurado trabalho técnico ou de uma aplicada direção. Na realidade, os vídeos emulam a linguagem televisiva de sitcoms brasileiras, como “Sai de Baixo”, “Vai que Cola”, “Os Suburbanos” e equivalentes. O orçamento, visivelmente inferior aos globais, diferencia dos outros, no entanto não compromete a qualidade, a qual reside sobretudo no humor irreverente e escrachado.
Os personagens da websérie são apenas dois: uma mãe e um filho. Mainha (Sulivã Bispo) e Júnio (Thiago Almasy) performam os dilemas diários e brigas típicas entre pais e filhos. Os diretores do longa homônimo, Ary Rosa e Glenda Nicácio, transportam a dinâmica familiar para uma duração de 1h30, distanciando-se bastante dos 5 ou 6 minutos de cada vídeo. A transmidialidade da produção artística, isto é, sua transição de uma mídia para outra, neste caso YouTube para Cinema, é uma prática comum em obras brasileiras do gênero comédia. Além das séries listadas no parágrafo acima, juntam-se ao rol de exemplos “A Grande Família: O Filme” (2007), “Os Normais: O Filme” (2003) e até mesmo os filmes dos Trapalhões – quase todos esses ostentando o selo Globo Filmes. O brasileiro, portanto, já está acostumado com a transposição das telinhas para as telonas, e “Na Rédea Curta” expande esse conceito, saindo do meio digital para as salas de cinema.
Os planos de estabelecimento não negam: a trama se passa na Bahia. Se havia alguma dúvida, o sotaque inconfundível de Mainha confirma a localização geográfica. A família vive na região periférica de Salvador, o que resulta em uma ressonância e identificação por parte do público brasileiro, inclusive por uma questão de classe. O fio narrativo dialoga também com a realidade de muitas pessoas. Após engravidar sua namorada, Júnio lida com o desafio da paternidade sem mesmo ter conhecido seu pai. Seu desejo, então, é encontrá-lo para finalmente se sentir apto a assumir o papel de pai. O intento do jovem, por outro lado, vai de encontro à maternidade solo de Mainha, a qual acumulou em si mesma, durante a vida do filho, os papéis de pai e mãe. Esse confronto familiar, entre conhecer a história ou ocultá-la, é tratado com bastante leveza e bom humor.
Um dos trunfos da dupla de diretores é realizar com fluência a tradução da linguagem do YouTube para a gramática cinematográfica. Os planos estáticos, típicos de sitcoms, são abandonados em detrimento de câmera na mão e maior fluidez nas ações. Existem, ainda, soluções visuais bem criativas, que exploram e estilizam as cenas, sobretudo as que possuem um caráter imaginário-mnemônico (a imaginação animada infantil, o flashback mudo e as projeções desastrosas). Estes aspectos, por sua vez, driblam as claras limitações técnicas e orçamentárias no longa. Dessa forma, prova-se que a inventividade pode se sobressair às dificuldades e, até mesmo, promover momentos inspirados na obra que poderia ser puramente formulaica.
O humor do longa advém, principalmente, do perfil escrachado e debochado de Mainha. O carisma da personagem é fundamental para arrancar gargalhadas de seu público e engajá-lo com a narrativa, além das eventuais quebras da quarta parede – recurso herdado da própria websérie. Sulivã Bispo é bastante promissor. O ator claramente se inspirou em Dona Hermínia – interpretada por Paulo Gustavo na série de filmes “Minha Mãe é Uma Peça” – para construir Mainha. A diferença reside, contudo, na regionalidade de sua personagem, que coleciona um arsenal de frases e expressões tipicamente baianas, as quais colaboram ainda para a comicidade do longa. O magnetismo e consequente protagonismo de Mainha é um dos principais atrativos do filme.
“Na Rédea Curta” é uma obra que já nasce com audiência, seja dos seguidores do YouTube ou do eventual público nos cinemas. Conhecer a websérie não é uma obrigação, mas ambienta bem o espectador. Entretanto, a estrutura narrativa que compartilha de arquétipos já bem estabelecidos na comédia brasileira permite a fácil assimilação do tipo de humor retratado e dos personagens. É um filme com piadas afiadas e bem escritas e que com certeza encontrará seu público, tendo em vista a predileção do brasileiro pelo gênero. Os momentos menos inspirados são as inserções dramáticas no longa, que parecem forçadas e sem a mesma qualidade do humor. Outro ponto de destaque é a representatividade. Fugindo do eixo Rio-São Paulo, a obra, composta por um elenco majoritariamente negro – inclusive uma ponta da grande atriz Zezé Motta -, atinge identificação com seu público justamente por ser popular, e rejeitar o pastiche, a imitação e o popularesco.