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Música Para Cortar os Pulsos

Aqui, amor rima com dor!

Por Fabricio Duque

Música Para Cortar os Pulsos

O amor é, sem pestanejar, o mais complexo dos sentimentos, e, ainda que se “more na filosofia”, sua condução nunca será precisa, tampouco absoluta, tudo devido a sua ramificação infinita que ecoa o subjetivismo das emoções. Cada um ama de um jeito e todas as formas são possíveis, permitidas e explicáveis dentro de uma lógica inexplicável. O amor é tão ilimitado e libertário, que se pensarmos em defini-lo em uma caixa padronizada e convencional, estamos então a domesticá-lo e consequentemente o transformamos em um cafona clichê, fora de forma e essência. Criou-se uma “caixa”. O amor “precisou” ser sentido incondicionalmente, de intensidade visceral, da emoção que rasga o coração e corta os pulsos pela impossibilidade humano de suportar tal iluminação apaixonada. O ser, descompassado de realidade, inventou regras para o bem amar, até mesmo idealizar o amar.

O Romantismo, inicialmente apenas uma atitude e um estado de espírito, ganha movimento, e o espírito romântico passa a designar toda uma visão de mundo centrada no indivíduo. Os autores românticos voltaram-se cada vez mais para si mesmos, retratando o drama humano, amores trágicos, ideais utópicos e desejos de escapismo. Se o século XVIII foi marcado pela objetividade, pelo Iluminismo e pela razão, o início do século XIX seria marcado pelo lirismo, pela subjetividade, pela emoção e pelo eu. Uma tendência idealista-poética de alguém que carece de sentido objetivo. Já o Nominalismo acredita que, além das substâncias singulares, só existem os nomes puros e, portanto, eliminam a realidade das coisas abstratas e universais.

O Platonismo, por exemplo, segue a castidade e a idealidade, em que o amor mundano e carnal pode se tornar, por meio da ascese filosófica, uma afeição contemplativa por realidades suprassensíveis. Curiosamente, jovens, deste tempo atual, constroem suas vivências românticas importando essa idealização do amor, com seus dramas, vulnerabilidades e incompatibilidades no estilo shakespeariano, potencializando ao extremo a subjetividade egoísta de ter o amor quando quer e para não sofrer preferem alimentar emoções.

No longa-metragem, uma ópera-hipster-arthouse, “Música Para Cortar os Pulsos”, de Rafael Gomes, baseado na peça teatral homônima do realizador, que completa dez anos em 2020, conjuga todos os elementos acima para tentar criar uma inocente, musical e romântica história de amores, conduzida por uma trilha-sonora de Bach a Marcelo Camelo (com participações especiais de artistas da música brasileira como Milton Nascimento, Tim Bernardes, Fafá de Belém, Clarice Falcão, Cesar Lacerda, Maria Gadu e Mauricio Pereira). É um filme sobre jovens, quase incompatíveis de se conviver em uma sociedade, essencialmente paulistana, dirigido por um jovem. São Paulo transforma-se em protagonista, por suas ruas, festas e na interferência comportamental, explicitamente ingênua de lidar com questões universais. É um filme barrista, de paulistas para paulistas. Nada contra. Pelo contrário.

“Música Para Cortar os Pulsos” conduz seu espectador em uma antropologia emocional, característica e idiossincrática de indivíduos locais que compartilham, retroalimentam e padronizam os “corações sentimentais”. Sua narrativa busca a ideia idealizada do amar para confrontar a fragilidade destes jovens às dores abstratas da alma. “Você está vendo muitos filmes romances ruins, eu vou te dar uns romances russos pra você ler”, diz a mãe a seu filho, e complementa sobre a música que está tocando: “É Cafona, mas é bom”. “A gente é feito para acabar”; “Você ama a ideia de amar as pessoas, você não ama as pessoas”, diz-se. Pois é. Uma coisa é a análise cinematográfica em retratar um determinado segmento, outra é achar que o espectador será cúmplice do filme se perder no próprio processo de construção. As metáforas daqui encontram a rima brega do “amor com dor”, com suas elipses, esquetes temporais, descontinuidades fragmentadas e misturas bagunçadas fora de compasso. O elenco, não equilibrado, interpreta com pressa, sem apuro. Suas personagens são dramáticas, intensas, egoístas, sempre em estado ópera-novela tensionado.

O cineasta russo Sergei Eisenstein, em “O Sentido do Filme”, define por “autenticidade a esfera da técnica interior do ator”. “É o estado, a sensação, a experiência sentida, em consequência direta em grau máximo de expressividade”. Sim, um ator deve naturalizar seu personagem a ponto dissociá-lo da própria construção. Em “Música Para Cortar os Pulsos”, o caminho procura a facilidade, a superficialidade. Falta a entrega e sobra estética. “O amor é a própria natureza se defendendo”, diz-se, com frases de efeito. O público não se convence. As personagens apresentam-se como caricaturas-arquétipos, copiadas da própria realidade de seus comportamentos. Uma cópia fake de si mesmos. É também um filme de amigos, que traz atores e conhecidos para participar, por exemplo, o diretor  Daniel Ribeiro (também co-produtor aqui), de “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho”, figurante em um café, sócio da produtora Diana Almeida, que trouxe a atriz Tess Amorim. Sim, tudo conectado. Quem assistiu o filme anterior de Rafael Gomes, “45 dias sem você”, consegue compreender a semelhança estrutural de uma ambiência blasé e de “muro impenetrável”. “O melhor sinal e voltar pro começo”. Sim, mais uma frase pronta. Assim, a tendência idealista-poética do Romantismo lá de cima, que encontra a egoísmo do eu, ganha aqui contornos modernos, pululados de gatilhos comuns  e referências já batidas (até mesmo protocolares de wikipedia) de alguns que ainda acreditam que estão reinventando a roda sentimental das novas emoções em uma “geografia de afetos e sentimentos da juventude urbana contemporânea”.


“Nada substitui a união dos corpos. Essa é uma frase que originalmente fala sobre o teatro, uma arte presencial. Mas, curiosamente, ela fala também sobre os sentimentos todos por trás desse filme – que não por acaso veio de uma peça. Porque não importa o quanto a gente se inflame, se iluda e se rasgue idealizando amores. A paixão é sempre vivida corpo a corpo (e música a música, filme a filme, traço a traço nos mapas de nossa geografia sentimental). Quis a vida que “Música para morrer de amor” chegasse ao público justamente quando a união dos corpos não é possível. Penso que o filme pode, então, ser essa lembrança de um caloroso abraço e ao mesmo tempo essa contagem regressiva para dias em que peles, respirações e fluídos voltem a se encontrar.” , disse o diretor Rafael Gomes.


Disponível nas plataformas digitais, NOW, Vivo Play e Oi Play.

2 Nota do Crítico 5 1

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