Mulheres Armadas, Homens na Lata
Nervos ciáticos em ação
Por Fabricio Duque
A tradução brasileira “Mulheres Armadas, Homens na Lata” pode ser considerada um primário spoiler, visto que conta mais do que deveria (indo além de seu título original que significa literalmente “Rebeldes”). É uma comédia politicamente incorreta e bad-ass dark side de situações fora de comum, que se desenvolvem em um submundo à margem da sociedade. A narrativa abraça elementos característicos de outras cinematografias: a coloquial violência potencializada e realista de Quentin Tarantino conjugada com o Kitsch comportamental de Pedro Almodóvar, e especialmente arquitetada pelo orgânico, grotesco, físico, visceral e cafona do universo do turco-alemão Fatih Akin e seu “O Bar Luva Dourada” com o do britânico Guy Ritchie e seu “Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes”. Sem esquecer os americanos Ethan Coen e Joel Coen, de “Os Matadores de Velhinhas”.
Apesar de pulular referências, esta é uma obra original, construindo um gênero único e novo a ser analisado mais profundamente. Realizado pelo francês Allan Mauduit, estreante solo em um longa-metragem (co-dirigiu “Vilaine” com Jean-Patrick Benes), “Mulheres Armadas, Homens na Lata” busca imergir o espectador em uma experiência extravagante e naturalista de errantes, que não têm nada a perder e são capazes de tudo para sobreviver e se defender de abusos sexuais-morais em uma terra sem lei. Um faroeste moderno com ares de atemporal e perdido no tempo que ressignifica os papéis comportamentais dos indivíduos sociais, traduzidos por um humor negro de situações mórbidas, desgraçadas e anti-maniqueístas e por um grotesco maquiado.
Não há o certo e ou errado. O que embasa as personagens é jogar até o limite para continuarem vivas e se possível com um mínimo de dignidade. O espectador pode inferir outros tantos filmes que abordam a mesma estética narrativa. “Quero Matar Meu Chefe”, de Seth Gordon; “Os Matadores de Velhinhas” e “Arizona Nunca Mais”, dos Irmãos Coen; “Mamãe é de Morte”, de John Waters, sim, a lista é extensa. Tudo para humanizar e personificar em tela os vícios humanos. É uma necropsia filosófica e mental da essência primitiva de cada um de nós, que não se dissipa, apenas fica adormecida pela imposição das regras de boa convivência.
“Mulheres Armadas, Homens na Lata” quer libertar e quebrar a binária definição do parágrafo anterior, colocando suas personagens em situações limites conduzidas por um acaso que ora facilita, ora mais parece ser um cruel ditador. E mais, são mulheres equalizadas aos homens com força, inteligência, destreza e manipulação, e nunca hesitantes e desejosas de seus vulneráveis estados anteriores. É muito mais que um simples feminista e ou de luta feminina. Elas recuperam as rédeas com controle total, irrestrito e desmistificado. São guerreiras não romanceadas, não vitimadas e não sensíveis, que já aprenderam que precisa partir à ação bruta e crua de seus planos.
Aqui é também uma diversificação de gênero no cinema francês, que experimenta novos voos fora de suas zonas de conforto existenciais e unicamente cerebrais. É a transposição de um “Os Brutos Também Amam”, visto que bem no âmago destas máquinas pragmáticas, há um coração batendo e ávido por um mínimo de carinho e descanso de suas vidas “fracassadas”. “Mulheres Armadas, Homens na Lata” eleva a revolta a uma histeria-surto de condições e condenados. Não há mocinhos, porque na vida real não há perfeição.
“Mulheres Armadas, Homens na Lata” é muito diferente do outro filme “Não Mexa com Ela”, de temática semelhante (e que estreia na mesma semana nos cinemas). Enquanto o israelense se desenvolve pela inércia à obrigação do agir, aqui essa prostração não existe. Cada um está sempre alerta e usando as aptidões e qualidades da melhor forma. Não há suavizações para as três fora-da-lei (as atrizes Cécile de France, Yolande Moreau, Audrey Lamy), que se forçam a aparecer como protagonistas de um mundo cão de “merda”. Cada uma investe em um sonho e trabalham em uma fábrica de enlatados de atum, nada mais metafórico para definir suas condições atuais. Sim, como já foi dito é muito mais que um filme de mulheres que tentam reinvenções e recomeços. É uma parábola tarantinesca que passa a mensagem da união feminina contra o mundo machista. Concluindo, uma obra que atinge o nervo ciático e que faz acordar de nossas moralidades e éticas pre-moldadas de um mundo mágico e impossível de viver.