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Mountainhead

O inferno são os outros

Por João Lanari Bo

Mountainhead

Mountainhead”, o longa que estreou no HBO MAX, começou a ser rodado em março de 2025 e foi finalizado em maio, praticamente em cima do lançamento no streaming. Foi tudo muito rápido: pitching que vendeu a ideia ocorreu em dezembro de 2024, roteiro escrito durante as viagens em busca de locação, em pleno inverno – Park City, no estado de Utah, foi a escolhida. Esse frenesi teve um propósito, sem dúvida: conectar o filme com o Zeitgeist da era Trump 2.0, o “espírito da época” que acelerou a história para rumos inauditos. Aceleração em si mesma composta de movimentos contraditórios, avanço espetacular no reino tecnológico convivendo com políticas reacionárias inacreditáveis (uma combinação perigosa, por certo).

Se já é difícil para o respeitável público acompanhar esses desdobramentos, imagine-se uma produção cinematográfica com essa ambição. À primeira vista, a sensação é que “Mountainhead” foi filmado sob o efeito de algum estimulante do sistema nervoso, do tipo tarja preta – precisam de receita médica com retenção, e podem causar elevada dependência ou riscos à saúde. Concebido em princípio como sátira, o roteiro, escrito por Jesse Armstrong, propôs-se a reproduzir o equilíbrio tênue entre quatro tech bros donos de um poder tecnológico transnacional, que se reúnem para um fim de semana de pôquer na luxuosa casa do mais pobre entre eles, aquele que vale apenas meio bilhão de dólares. Equilíbrio que supõe também agentes e eventos exteriores, como chamada urgente do Presidente e o caos mundo afora – prefeito assassinado em Paris, incêndio mortal na Índia, migrantes sendo alvos na Líbia, economias latino-americanas derretendo.

Jesse Armstrong, como sabemos, é um talentoso escritor de dramas com fundo político, entre eles “Sucession”, série que captou cruzamentos entre poder, capitalismo e disfunção familiar com contundência surpreendente. “Mountainhead” é sua primeira direção: quando vendeu a ideia, Donald Trump já havia ganho a eleição, e diversos cenários distópicos despontavam no horizonte. Muita gente, inclusive os da tribo tech bro, parece ter enxergado esse novo mundo com outros olhos: livre das amarras regulatórias, as novas tecnologias, IA e outras menos votadas, seriam a redenção da humanidade, mesmo que caminhemos para um apocalipse – nesse caso, a redenção poderia dar-se em outro planeta, Marte, por exemplo.

Desta feita, esses moguls da tecnologia encontram-se encerrados numa espécie de teatro de quatro paredes (teatro, forma de arte milenar). São eles: Hugo (Jason Schwartzman), o anfitrião, preocupado com o upgrade de seu app de meditação e, curiosamente, em controlar a Argentina; Venis (Cory Michael Smith), um tubarão das mídias sociais, citado como o homem mais rico do mundo; Jeff (Ramy Youssef), rival de Venis, dono de uma tecnologia imbatível de IA; e Randy (Steve Carell), investidor de alto risco que ficou rico investindo em, entre outros, Venis e Jeff – condenado por um câncer, prefere não acreditar. Na superfície, são bons amigos, mas o que se passa nos respectivos interiores pode sugerir um desses games de combate avassaladores, onde entre mortos e feridos todos se salvam.

O inferno são os outros: a citação, famosa, vem da peça teatral “Hui Clos”, do filósofo existencialista Jean-Paul Sartre. Um espaço confinado onde os personagens estão presos e obrigados a interagir, um limite físico que termina internalizado em um estado psicológico que denota incapacidade de escapar. A presença dos “outros” é fonte de angústia e sofrimento. No filme de Armstrong, Venis ostenta uma euforia momentânea pelo upgrade que acabou de soltar em sua rede social, uma ferramenta de IA capaz de produzir vídeos indistinguíveis da realidade. Jeff, com menos bilhões na conta, está em uma ascendente: sua empresa desenvolveu uma IA capaz de filtrar o conteúdo real do falso. Venis, claro, angustia-se com Jeff, que sofre por Randy, que se angustia com Hugo – um círculo infernal, enfim.

Com uma pitada de ficção científica. Expressa nos temas das conversas, como a enigmática P(doom), termo do protocolo de segurança em IA que se refere à probabilidade de resultados existencialmente catastróficos em função da… Inteligência Artificial. Eles se dividem: uns acham que a tecnologia deve ser desenvolvida tão rápido quanto possível, outros pregam cautela. Em comum, a soberba que os afeta, a certeza de que são eles os mais preparados na humanidade para lidar com esses, digamos, problemas.

Qualquer semelhança com pessoas ou fatos reais é mera coincidência.

3 Nota do Crítico 5 1

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