As Prévias da décima terceira edição do CineOP
Por Gabriel Silveira
A 13° Mostra de Cinema de Ouro Preto (CineOP) começa nesta quinta-feira (15). É bom deixar claro, de início, que este não é um evento qualquer dentro do circuito cinematográfico brasileiro. Apesar de não se tratar de um tablado imerso num mar de holofotes para a cena do mercado nacional contemporâneo, a CineOP traz à luz vitais fantasmas de nossa casa que as adversidades da institucionalização de um cinema terceiro mundista acabam afundando no oblívio absoluto do imaginário oficial da cultura brasileira.
O espírito primordial do evento é a celebração da resistência expressiva e da força de potência transgressora daqueles que não sucumbiram à violência do chumbo e dos punhos de ferro dos corpos que assombraram a consciência nacional. Daqueles que em sua luta acabaram expondo a peste de nossas entranhas e acabaram, por consequência, moldando parte considerável do que viria a ser a espinha (em desenvolvimento) dos ímpetos estéticos/ políticos/formais hereditários da Vontade de NOSSO cinema. A CineOP é um ato de resistência, um ativismo pela afirmação de nosso passado que, às vezes, parecemos esquecer que é presente, vivo e pulsante. A CineOP está para a memória como um guerrilheiro está para a revolução. É o lutar da salvaguarda contemporânea para que não nos tornemos vítimas de um alzheimer cultural que é, simplesmente, resultado de um mal maior de negligência do espírito para com o próprio corpo.
A estrela principal desta edição é a atriz Maria Gladys, que por si só pode ser considerada uma das sínteses chefe do Corpo do objeto em questão. Gladys foi uma das facetas, uns dos pés suingados, umas das mãos malandras e umas das carismáticas bocas que projetaram a histeria e — especificamente em seu caso — a fome do discurso brasileiro. Este grito de fome foi literal ao lado de Rogério Sganzerla em Sem essa,Aranha, uma das principais obras da carreira deste, que violenta (como sempre), sem escrúpulos, feridas abertas e infeccionadas de nossa doxa. O longa de Sganzerla, ao lado do curta Maria Gladys, Uma Atriz Brasileira de Norma Bengell (projetado em seu suporte original, 35mm), abrirá a mostra após a cerimônia de homenagem à atriz. Encerrando entregas dos louros à atriz, será apresentado o longa Vida de Paula Gaitan, um primeiro plano intimista e espectral de Maria.
Seguindo, agora por um espectro contemporâneo, a mostra contará com a presença do humano Jonas e o Circo Sem Lona, documentário que traça, não apenas, o retrato de um menino que tenta realizar a revitalização de suas raízes circenses buscando sua aproximação ao meio de seu ofício dos sonhos produzindo espetáculos caseiros em seu quintal, mas, também, acentua um sóbrio escopo da condição de luta da infância brasileira atual. Ainda neste canto infantil, será projetado também Historietas Assombradas, primeiro longa de Victor-Hugo Borges que é, também, o primeiro longa metragem nacional realizado por uma equipe de animação/FX integralmente brasileira.
Voltando ao passado, estará presente o longa Dawson City, do realizador e pesquisador Bill Morrison, que lecionará uma masterclass a propósito do ofício da reapropriação audiovisual, sendo este o veículo de composição principal da obra em questão.
Na mostra de curtas histórica, além de serem projetados raros filmes como Brasil de Rogério Sganzerla e A Fila de Katia Maciel, será apresentada uma cópia 35mm do insano curta de Ivan Cardoso À Meia Noite Com Glauber. Ainda na vereda de invenção, contamos com a presença de O Demiurgo de Jorge Mautner, a estreia de Quebranto de José Sette, o revolucionário e obtuso curta Landscapes de Luiz Rosemberg Filho e O Desmonte do Monte de Sinai Sganzerla, documentário narrado por Helena Ignez.
Por fim, acredito que uma das obras que melhor pode representar o discurso da CineOP é O Atalante de Jean Vigo. Primeiro longa e obra prima do diretor que quase se perdeu por completo após sofrer ataques fatais de tesouradas de produtores inconsequentes que negligenciaram por completo a integridade de um projeto que nem mais poderia ser defendido por seu autor, como este já encontrava-se debilitado durante a fase de planejamento de distribuição do filme, vindo a falecer dias após o lançamento de uma versão violada de seu filme. No entanto, este ataque não foi páreo para os esforços reunidos pela cinemateca francesa que, no fim, trouxe a visão original de Vigo à luz para uma nova geração de cinéfilos que acabou dando uma pequena volta na história da cinematografia mundial. Bom, o resto da história pode ser contado melhor pela Céline Ruivo (curadora da Cinemateca Francesa e coordenadora da Comissão Técnica da FIAF) que apresentará o caso da restauração do filme durante sua palestra.