Moneyboys
Das intempéries de uma vida ainda verde
Por Paula Hong
Festival de Cannes 2021
Entre cobranças enraizadas na tradição do campo e a liberdade (sexual) celebrada na cidade, “Moneyboys”, filme que marca a estreia de C.B. Yi como diretor, empresta-se de grandes referências do cinema chinês, como Wong Kar-Wai, Jia Zhangke e Tsai Ming-Liang, para tecer algo que dialogue com a melancolia de jovens que tentam a vida longe da família, nutrindo autonomia facilitada pelo dinheiro para sustentar tanto a si quanto a família interiorana, ao passo que levam uma vida paralela àquela fabricada pelos ideais conservadores. Uma pena que, frente a uma temática tão rica, principalmente pelo recorte e prisma que escolhe, Yi parece mais preocupado em mostrar seu arcabouço referencial estético do que executar seu discurso fílmico com autoria.
O filme segue a vida de Fei (Kai Ko), um jovem que sustenta a família através da prostituição — mas mente para eles dizendo que o dinheiro advém da venda de drogas — e que renega laços afetuosos por achar que não os merece. A introdução a essa confluência do sustento e dos sentimentos é apressada, com cortes rápidos e saltos largos na narrativa, oferecendo pouco tempo para absorver as dinâmicas e envolvimentos que cruzam os caminhos de Fei e Xiangdong (Yan-Ze Lu), um fantasma que paira durante a obra. Os dois, inicialmente colegas, desenvolvem uma relação amorosa, mas tão logo são tragicamente separados quando Xiangdong vinga a forma violenta com que um dos clientes de Fei o trata. Este vai embora e o abandona. Aqui, sua primeira recusa de viver um amor. É desta forma que Yi estabelece uma história fadada à solidão.
Assim, “Moneyboys” pula para cinco anos mais tarde. Fei está em uma outra cidade. A estrutura de seu apartamento anuncia a melhoria de vida em comparação a antes. Aprendemos que ele sabe filtrar melhor seus clientes (homens mais velhos e de boa condição financeira), mas que o falso progressismo da cidade ainda o pune pelo estigma de como leva sua vida. Para tanto, o diretor se dispõe de planos fixos, um tanto quanto duradouros e atento às suas composições, de modo que dá conta de elevar a solidão e a melancolia de Fei, embora seja raro aparecer completamente sozinho, assim como é raro que ele se permita sentir prazer — seja sexual ou não; no filme de quase duras horas, quase não o vemos sorrir. Cenas assim evidenciam seu deslocamento, as cores fortes e vibrantes mascaram os papéis que não cumprem no contrato social, criando uma solidão coletiva desses jovens.
Essas características são acentuadas pela dilatação do silêncio entre as personagens, mesmo quando a banda sonora da obra é majoritariamente composta por músicas que tocam ao fundo num bar ou restaurante. Há ainda a sinfonia comum da cidade, seu trânsito e burburinhos agitados do comércio. Os diálogos espaçados não têm muito a acrescentar, uma vez que parecem reforçar sentimentos de uma atmosfera muito bem construída na composição das imagens e na atuação do elenco.
Aos poucos, “Moneyboys” a vai sublinhando o aspecto frágil e quebradiço das relações que permeiam a vida de Fei, bem como suas intempestividades e a artificialidade de outras, como a do que grupo de jovens que leva uma vida parecida, fabricando aparências para aprovação sob medida da régua moralista da família. À essa altura da obra, Yi pouco toca no tema da obscuridade da prostituição, mas sim em como ela passa a ser uma alternativa àqueles que não conseguem cumprir os requisitos ou manterem-se na esteira do custo de vida cada vez mais alto na cidade.
Há, portanto, o pessimismo, a frigidez, a culpa. Isso é tudo muito bem trabalhado na ironia com que a família de Fei aceita ajuda financeira quando ele afirma que vem da venda de drogas, mas depois quando a recusa, sendo outra a origem do dinheiro uma problemática que perpassa não somente pela ilegalidade perante às leis, mas também pela discriminação. O culpam pela enfermidade do avô e impedem a sua presença no funeral do mesmo. De um lado, a liberdade (sexual, de identidade), a independência financeira. Do outro, a solidão, a quebra de relações familiares, a culpa, a vergonha, a humilhação.
Não obstante, uma nova oportunidade no amor surge através de Liang Long (Bai Yufan), amigo de infância e também morador da aldeia de onde vem Fei. Isso complexifica nele seus entraves e embates não resolvidos, sobretudo no que concerne à introdução de Liang à mesma vida que ele leva. Fei não sabe como seguir com essa oportunidade. Aqui é onde o diretor escolhe trazer Xiangdong de volta à vida de Fei, dando forma sólida a um dos seus grandes remorsos. Suas tentativas de compensar o tempo perdido afasta Liang Long, e obriga Xiangdong pôr um fim aos esforços para reconciliação de um relacionamento em ruínas desde o começo. Por fim, “Moneyboys” atinge o acúmulo dos tropeços, das frustrações, das incertezas e da solidão de Fei quando a câmera, próxima ao seu rosto, captura o vazio que emana de seu olhar fixo em um ponto qualquer. Este plano é alternado com outro onde, numa festa, parecia feliz com Liang Long.