Meu nome é Dolemite
A ginga de Rudy Ray Moore, o padrinho do rap
Por Roberta Mathias
Ao iniciar essa crítica sinto necessidade de explicar quem foi Rudy Ray Moore e , porque um filme sobre sua criação mais clássica, Dolemite, tem importância. Moore foi comediante, cantor e ator e ficou conhecido por seu humor ácido e nada politicamente correto em uma época na qual o humor para brancos e negros era bem mais fragmentado e dividido do que hoje. Precisamos entender que estávamos na década de 70 e a luta pelos movimentos civis dos negros ainda estava muito recente nos Estados Unidos. Lembrando que o voto só foi estendido a todos os negros em 1965. Esse é o contexto no qual Moore decide usar suas próprias pernas e uma série de amigos para inaugurar a própria produtora de cinema em um antigo hotel fora de funcionamento.
Então, ainda que seja talvez uma comédia- ainda não me decidi em que gênero enquadrar o filme, pois é também uma biografia e registro de uma realidade do mercado cinematográfico – e não fale exatamente sobre os direitos civis, “Meu nome é Dolemite” mostra como era difícil fazer um filme contando com uma equipe majoritariamente negra. Principalmente, com protagonistas todos negros. Para além de suas piadas escrachadas,Rudy Ray Moore é conhecido como um dos precursores do chamado blaxploitations, um movimento feito por e para negros.
O filme começa com a dificuldade de Moore em conseguir um lugar na indústria de entretenimento de Las Vegas tentando, inicialmente, os palcos da música e posteriormente os do stand-up. Mas, é somente ao escutar a voz da rua através de um morador que vaga pela região onde mora que Moore conseguiu achara voz de seu Dolemite.
Agora com “lendas urbanas” e alimentado por um linguagem que se fazia engraçada para quem vivia o cotidiano das ruas, o comediante ganhou projeção ao gravar discos de stand-up comedy. Mas, ele queria mais. Viu nas telas de cinema uma maneira de propagar um humor avacalhado, mas que chegava a um público cada vez maior. É difícil a passagem de Dolemite de uma escala à outra, já que se público era bem nichado. Porém, o ator persiste com alguns testes em espaços maiores, até chegar ao Dunbar Hotel, então abandonado, mas por onde já haviam passado Duke Ellington , Billie Holiday e Count Basie. A própria reconstrução do espaço é interessante, pois podemos acompanhar a fagulha de algo de depois viria à crescer.
Eddie Murphy vive uma de suas melhores atuações há anos e encarna o personagem no jeito de andar, falar e “gingar” em “Meu nome é Dolemite”. Por mais que tenha minhas críticas pessoais ao humor de Dolemite, não posso negar que ele abriu espaço para outros comediantes e que seus álbuns alcançaram a Billboard, além de contar com uma equipe que o acompanhou desde as apresentações nos inferninhos de Los Angeles até seu auge. O elenco conta com Wesley Snipes, Craig Robinson (em mais uma boa atuação), Chris Rock, dentre outros atores negros famosos, mas é Da’Vine Joy Randolph com sua Lady Reed que rouba a cena.
Ainda que o escrache seja a arma de Dolemite, o que ele diz, no fundo, é algo bem mais complexo. Agora, não mais seremos explorados pela indústria cinematográfica, criaremos nossos próprios estúdios(ainda que precários) e iremos falar, nos comportar da maneira que quisermos e , de quebra, ainda fazer piada com os gêneros clássicos que as grandes produtoras e distribuidoras inventaram. Blaxploitation – a exploração dos corpos negros- se trata justamente dessa ironia. É ainda entendido por muitos como o padrinho rap, pelas rimas com as quais criava suas piadas.
Ajudado pela fotografia, iluminação e pelo figurino, que nos transportam à época, Murphy em “Meu nome é Dolemite” volta também a fazer o que sabe de melhor. Em geral, não são os filmes de humor raso que destacam sua atuação. Ao viver Dolemite, que também passa pela difícil missão de inaugurar um movimento, o ator consegue casar seriedade, ironia e escracho sem soar forçado. Craig Brewer, diretor do filme, e a dupla de roteiristas, Scott Alexander e Larry Karaszewski devem ter forte papel nessa atuação balanceada, já que os demais atores também acompanham o ritmo.
A torcida agora é para que voltemos a ter aquele Murphy do início da década de 80, de Um tira da Pesada e Um Príncipe em Nova York, em filmes de comédia para a população negra que não somente apresentem mais do mesmo , mas que inovem em forma e acompanhem os “guetos” que sempre revelam atores e humoristas com muito potencial e mais próximos à uma realidade que não chega nem perto da de Hollywood.