Meu Nome é Dindi
A invocação de Belair
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2007
Bruno Safadi não só bebeu na fonte dos movimentos formadores de nosso cinema como se tornou um dos ativos seguidores, alinhando nostalgia temática à modernidade. Em seu primeiro longa-metragem, “Meu Nome é Dindi” (2007), após dois curtas, “Na Idade da Imagem ou Projeção nas Cavernas” e “Uma Estrela Pra Ioiô”, o realizador estreante decide imprimir toda sua predileção cinematográfica ao importar a urgência criativa do Cinema Novo (a popular organicidade barroca); a histeria catártica do Cinema Marginal (a liberdade “malandra” da câmera direta); e o existencialismo conceitual da estética Belair. E cada um deles por sua vez construiu caminhos únicos regurgitando a Nouvelle Vague francesa (especialmente a de Jean-Luc Godard), o Neo-Realismo italiano (de Federico Fellini e seus palhaços errantes), a Nova onda alemã (tendo Fassbinder como influência) e a Nova Hollywood (de Alfred Hitchcock). Sim, todas essas referências podem ser encontradas em “Meu Nome é Dindi”.
O filme é uma jornada fabular, que se alimenta pelo viés político-social, quando aborda um estudo de caso das consequências que a “nova” forma de capitalismo pode causar. Nós somos embarcados em uma viagem de pesadelos. De dramas que, por auto-proteção, se tornam sonâmbulas epifanias. Dessa forma, principalmente pela condução de se comportar como um roteiro (ainda em fase da escrita – fazendo com que a história soe mais como um devaneio imaginado de seu criador), consegue-se embasar a ambiência apresentada: estranha, fora de tom, fragmentada, descontínua e anti-naturalista, desencadeando uma liberdade da imagem, mais amadora, mais solta e menos padronizada. Na verdade, há uma busca pela ressignificação do próprio cinema. Uma quebra da zona de conforto. Uma vanguarda que não se preocupa com a embalagem e somente com o que está dentro.
“Meu Nome é Dindi”, exibido na mostra Première Brasil – Novos Rumos do Festival do Rio 2007, e vencedor de Melhor Filme na Mostra de Tiradentes 2008, é uma homenagem à “época de ouro de um bairro”. A um tempo “devastado” pela “urgência” do progresso. Que coleciona histórias, mas que vê suas fotos desaparecerem pela recessão do presente (“agora entregue aos bandidos”). Sobre uma quitanda (“negócio condenado à morte”) com cinquenta anos que perde clientela para a “pluralidade” de opções de um supermercado. A narrativa, por dezoito planos-sequências, corrobora a imersão intimista. Nós somos convidados a participar da loucura-surto de sua personagem, envolta às dificuldades de preservar o passado, entre solidariedade, fantasia, romantismo, mesquinhez e hostilidade do mundo real, com suas “mosquinhas de lixo” e mercenários parasitas espreitados. “Quando se é criança, o mundo era outro e não havia problemas”, diz-se à moda de “A Um Passo da Eternidade”.
Aqui há um apuro caseiro (quase do classicismo moral e da literatura) quando mescla a Belair de Rogério Sganzerla (pela presença da atriz Djin Sganzerla, filha de Rogério e de Helena Ignez, musa do Cinema Novo, em “Copacabana Mon Amour”) e a de Júlio Bressane (a auto-reflexividade da antiarte). A personagem principal, Dindi, não consegue distrair e “relaxar”, vivendo uma permanente pressão, medos personificados, paranoia e asfixia, que despertam ruídos, sentimentos de perseguição e alteração da percepção da realidade. Parece que o cenário que participamos é sua mente. Paredes estrelas. Lua. Danças contemporâneas. Uma praia paradisíaca com trilha sonora de Jazz, acompanhada do namorado. “Caipirinha de kiwi versus lichia”. Lembranças versus tédios. Saudosas tristezas versus a alienação robótica e programada da alegria.
“Meu Nome é Dindi”, anteriormente com título provisório de “7 vezes Dindi”, é um conceito alegórico na essência no “carro dos sonhos” por um que autoral de Salvador Dalí. Que permite a terapia confronto do sonho, com marchas de Braguinha sendo cantadas; com Tom Jobim; com memórias contadas sendo personificadas em visíveis imagens; e com um ecoante grito revolucionário: “para deixar de Belair ser um nome proibido”. O filme é um grande e místico “circo Brasil” de “sintonia fina”, em que a realidade não existe mais, apenas a projeção do real, ora lúdico, ora surreal, ora crítico.
O filme, feito com a “garra e dar sempre o melhor“, é sobre a metamorfose do tempo”, disse o diretor Bruno Safadi, que tem “coragem na linguagem” e “inquietação histórica”, pelas palavras do ator Gustavo Falcão, que encarna o sonho do amor e o inimigo da morte. “Meu Nome é Dindi” é uma experiência. Uma vírgula deslocada. Um ponto fora da curva. Um objetivado cinema de garagem. Uma obra estranha, e conceitual demais, que desconstrói para reconstruir. E tudo filmado em apenas uma semana.