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Meu Nome é Alfred Hitchcock

Meu nome é Mark Cousins

Por João Lanari Bo

Festival de Telluride 2022

Meu Nome é Alfred Hitchcock

Como situar essa saga obsessiva do cinéfilo e realizador Mark Cousins? Munido de uma pequena câmera, ele sai pelo mundo registrando o que vê, e pressente: e combina tudo isso numa alquimia de imagens sacrossantas do cinema, esse cinema-arte que explodiu no século passado e comoveu multidões – e que hoje, nesse século digitalizado até a medula, resiste, numa daquelas trincheiras estéticas construída diariamente por abnegados e admiradores. “Meu Nome é Alfred Hitchcock”, concluído em 2022, é mais um capítulo da saga – enfocando um cineasta que logrou uma obra única, popular e sofisticada, agradando gregos e troianos, para muitos emblemática do próprio cinema, a sétima arte.

Em graus variáveis, por certo, Alfred Hitchcock não é uma unanimidade (toda unanimidade é burra, já dizia Nélson Rodrigues). Mark Cousins também está longe de ser uma unanimidade. Há quem considere o doc, uma evidente exaltação do diretor inglês, um “estudo atrevido e perspicaz”, um filme “ponto por ponto, clipe por clipe, brilhante… há muito para aprender e aproveitar, você sai dele com seus sentidos afinados” – são palavras do crítico do The Guardian. Outros nem tanto: “Cousins ​​pensava que estava contribuindo para o já vasto conhecimento coletivo do homem e seus filmes… infelizmente, a evidência em mãos, ‘Meu Nome é Alfred Hitchcock’, sugere que ele ​​tem pouco a dizer sobre qualquer coisa substancial”.

Nem tanto ao mar, nem tanto à terra, já dizia o filósofo Hobbes. O filme é dividido em seis seções: ‘Escape’, ‘Desejo’, ‘Solidão’, ‘Tempo’, ‘Realização’ e ‘Altura’, com vários exemplos desses indicadores dramáticos em clipes ilustrativos – uns preciosos, outros nem tanto. A obra de Hitchcock é caudalosa – o infalível IMDb registra a espantosa cifra de 68 realizações, incluindo TV, dirigidos pelo incansável Hitchcock! (ele e Cousins tem essa característica em comum, sem dúvida). Em cada uma das seções, são confrontadas imagens e situações, de filmes e épocas distintas desse conjunto imenso: muitos do período “mudo” (Hitchcock começou em 1922 com “Número 13”, não-finalizado), chegando ao últimos da série, “Frenesi“, 1972, e “Trama Macabra”, de 1976. Nessa berlinda, desfilam atrizes e atores com status transcendente, habitantes do Olimpo cinematográfico, em closes e planos médios, expressando medos e ansiedades, afetos e repulsas.

Um dos méritos de “Meu Nome é Alfred Hitchcock” é alternar fitas ultra conhecidas com raridades – para não dizer obscuridades, como reconhece o diretor mesmo. Quem viu “O Jardim dos Prazeres”, de 1925? E “A Mulher do Fazendeiro”, 1928, citado em diversas ocasiões? Ou ainda “Juno e o Pavão”, 1930? Mesmo “Pavor nos Bastidores”, de 1950, com Marlene Dietrich, certamente é um ilustre desconhecido do grande público. Claro, não faltam os clássicos: “Psicose”, de 1960, “Os Pássaros”, 1962, “Um corpo que cai”, 1958, “Intriga Internacional”, 1959, “Janela Indiscreta”, 1954…e por aí vai.

Alfred Hitchcock acertou e errou – assim como Mark Cousins – em doses diversas, de acordo com a percepção de cada um dos espectadores (e são muitos). Um dos pontos controversos do documentário aparece logo nos letreiros: um filme “escrito e narrado por Alfred Hitchcock”. O diretor, como sabemos, foi um mestre na arte do marketing pessoal, e a opção talvez tenha essa intenção, um marketing póstumo. Cousins escreveu o texto e quem narrou foi o ator e imitador Alistair McGowan, bastante famoso no Reino Unido. A voz, com sotaque quase-cockney, da gargalhada profunda à respiração imprevista, realmente engana, e surpreende. Mesmo quando é possível perceber a artimanha do dispositivo, funciona – e corrobora a famosa assertiva hitchcockiana, o cinema é um meio de trapaça, eu sou um trapaceiro.

Afinal, são duas horas de trapaças, ou melhor, de observações espirituosas e outras nem tanto, o que pode provocar uma sensação de recorrência excessiva. Um dos recursos mais conhecidos de Hitchcock (e repetidos no doc) é o humor injetado nos momentos dramáticos, para escapar da seriedade da trama, como dizia ele: ou a definição de suspense, adicionar tempo ao medo. Mas não faltam críticas aos magnatas do cinema, sempre reiteradas pelo diretor. E o desejo: “Meu Nome é Alfred Hitchcock” elabora diversas facetas do veneno, o lado negro do desejo, como Alfred alardeava aos quatro ventos sua obsessão sobre o assunto.

Obsessão, aliás, que também configurava um lado negro pessoal do desejo, como desabafou Tippi Hedren, atriz de “Os Pássaros” e “Marnie, Confissões de uma Ladra”: Ele era um horror! Quase obcecado por mim, disse a loura, no press-release do biopic da HBO, “A Garota”, em 2012 – que trata justamente da relação do diretor com sua estrela.

Esse veneno não entrou no filme de Mark Cousins, sublinhe-se.

3 Nota do Crítico 5 1

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