Mata
Um de nossos brasis
Por Vitor Velloso
Durante o CineOP 2021
“Mata” de Fábio Nascimento e Ingrid Fadnes faz parte da programação da 16ª CineOP, onde o foco é a preservação, memória e educação. Dito isso, não haveria momento mais oportuno para exibição de um documentário que denuncia crimes ambientais. Afinal, o engravatado que certa vez foi na grande mídia esbravejar a favor da ignorância e dizer que não fazia questão de saber quem era Chico Mendes, foi demitido por reconhecer que receberia um pedido de prisão.
O que a obra pretende, é mostrar o caos que se encontra a região e como o poder público está alinhado com o capital privado. Mas “Mata” não se concentra em uma denúncia a partir do aparato burocrático ou de uma resolução através de medidas políticas. O foco do filme é mostrar como a vida dessas pessoas é afetada por essas práticas criminosas e como essas lutas são feitas na prática. Uma questão que afeta o ritmo é como algumas cenas isoladas expõem um enfrentamento mais direto com essas chamadas “autoridades” para acompanharmos o dia-a-dia por longos minutos. A forma é muito amparada na ideia estrutural de como a exposição da temática deve ser cadenciada entre o enquadro dessas “paisagens” e das pessoas ali presentes. Logo, são drones que tentam ampliar a perspectiva com gerais nas áreas de desmatamento, eucaliptos e das terras de Etevaldo e da comunidade Pataxó de Comexatiba, em contraposição aos close mais próximos à terra, onde as mãos tentam reparar danos e criar algo.
O momento da discussão entre os indígenas e um representante das classes dominantes é a síntese da burocracia entre poder público e interesse do capital privado. A fala mansa, tentando articular uma linha argumentativa que sempre irá se encerrar com “Vocês precisam sair dessa terra”. São prazos e mais prazos caducando, uma clara tentativa de ganhar no cansaço, afinal o monopólio da violência e o aparato legal está do lado das grandes empresas. Um país afundado na dependência que trabalha suas questões ambientais com um homem que é conhecido como “Ministro da Mineração”, apenas reflete parte do problema. E “Mata” não entende esse problema apenas na esfera pública, mostra que a questão está ancorada em um forte rigor histórico, desde o genocídio dos povos nativos ao problema que o país enfrenta na inversão das narrativas, onde as empresas compram essas terras com um discurso colorido que a mídia tanto aplaude e destrói por completo a região, em favor desses grandes capitalistas. Afinal, agro é pop.
Infelizmente é difícil não retomar no ponto do ritmo no documentário de Fábio Nascimento e Ingrid Fadnes, que oscila gravemente ao longo de sua breve projeção. E isso se dá também pela estrutura que a montagem assume, com esse jogo de perspectivas citado anteriormente. Essa escolha da produção é uma questão que a montagem não consegue resolver. Aliás, há um diálogo fatalista que fica claro na trilha sonora, com sons estridentes que disputam a diegese com o som ambiente. É uma grande produção, que apesar de tudo, coloca em conflito essas divergências de perspectivas nos próprios protagonistas, que apesar de possuírem inimigos em comum, possuem vidas e modos de enxergar a terra bastante distintos. O que os une é a necessidade dela.
Os momentos mais isolados de seus personagens são brevemente orquestrados na linguagem, com uma câmera que tenta isolá-los na imensidão dessa paisagem política que agora é refletida como um cabo de guerra. O retrato de culpa que Etevaldo realiza ao dizer que se arrepende profundamente de ter sido madeireiro e que, hoje, reconhece o crime que era cometido, o comentário é seguido por: “eu era apenas um funcionário”. Essa relação de poder fica clara ao longo do documentário, algo que se materializa na própria relação desses representantes que são enviados pelos grandes capitalistas na tentativa de uma negociação amigável. Está claro que todas as ofertas são unilaterais e “Mata” não se rende à tentação de fetichizar essa burocracia no Planalto, pelo contrário, tenta voltar à terra o mais rápido possível.