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Mário de Andrade, o Turista Aprendiz

O Brasil de Mário de Andrade

Por Clarissa Kuschnir

Mostra de São Paulo 2024

Mário de Andrade, o Turista Aprendiz

Mário de Andrade lançou uma das maiores obras primas da nossa literatura. “Macunaíma – O Herói Sem Nenhum Caráter” foi publicado pela primeira vez em 1928. O romance modernista, como muitos sabem, fala sobre um anti-herói marginal nascido na Amazônia, que viaja até São Paulo com o intuito de recuperar seu “muiraquitã”, um talismã indígena. Toda essa introdução é para dizer que um ano antes da publicação de “Macunaíma”, o paulistano e também autor de “Paulicéia Desvairada” (1922) faz a trajetória contrária ao anti-herói, saindo em expedição pelo Rio Amazonas, em 1927 passando pelo Brasil, Peru e Bolívia.  Durante sua viagem, o poeta, contista, romancista, cronista, crítico e musicista faz diversas anotações de suas aventuras, que só foram passadas a limpo após 16 anos. E isso ainda foi muito além, pois essas anotações só foram publicadas em 1976, anos após o falecimento do escritor, intitulado como “O Turista Aprendiz”. 

O livro tornou-se um dos mais importantes e primeiros relatos sobre a Amazônia, onde o cineasta Murilo Salles desbrava com maestria essas aventuras para as telas do cinema em “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz”. Com uma linguagem híbrida entre a ficção e o documentário, Murilo consegue transportar de uma forma leve, misturando fantasia com a realidade. Contando com um roteiro bem redondo e um figurino impecável do começo do séc. XX, que nos faz navegar junto com Mário de Andrade pelo Rio Amazonas, junto a uma comitiva da aristocrata Olívia Guedes Penteado, em uma barco relativamente confortável, ao lado da uma sociedade paulistana burguesa e como elas mesmas se diziam “modernistas”. E eram mesmo, já que Olívia foi uma das grandes incentivadoras do modernismo no Brasil.  

E mesmo com esse tom leve e divertido, o longa-metragem “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz” não deixa de ser crítico em relação à sociedade da época, das heranças do colonialismo e das diferenças de classes. E tudo isso ainda se complementa com a narrativa teatral, que faz com que a gente viaje junto com o poeta e seus companheiros, pois ali na tela tudo é imagem. Os atores não filmaram em um barco real, eles encenaram com o fundo verde (ou chroma key), e as belas imagens do Rio e da Floresta Amazônica feitas pelo cineasta, também conhecido por diversos trabalhos no cinema em direção de fotografia, complementam-se na edição.  Segundo Murilo, ele mesmo disse que não daria conta de traduzir toda aquela obra em palavras. Tinha que ter essas imagens, que somente o cinema consegue fazer.  

Rodrigo Mercadante, que vive Mário de Andrade, enobrece ainda mais a obra com sua interpretação e trejeitos, de uma maneira sublime. Como mesmo disse Rodrigo em um bate papo após a exibição, em pré-estreia do filme em São Paulo: interpretar o escritor foi para ele um desafio, pois viver um dos maiores intelectuais brasileiros do séc. XX é ir além de ter uma mente brilhante, já que o corpo dele pensava o tempo inteiro.  Para Rodrigo, foi um grande presente. E “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz” ainda traz que foi justamente durante essa viagem que Mario de Andrade narra suas reações corporais, em frente à imensidão e ao calor amazônico. 

E são através dessas reações e anotações que a gente vê a paixão que Mário de Andrade tinha pelo Brasil. “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz” é uma imersão dele, como essas passagens pela Amazonia. E como bem lembrou o ator, a Amazônia é um tema que está extremamente em pauta nos dias hoje, com as queimadas e desmatamentos desenfreados, causando um forte impacto no Brasil e no mundo. “Mário de Andrade, o Turista Aprendiz” cita também algumas passagens da época, como o problema da malária na Amazônia, fazendo um paralelo com a recém pandemia do COVID-19. 

Mário de Andrade, o Turista Aprendiz” é uma bela (e necessária) homenagem (contra o esquecimento e possibilidade de perpetuar a História) a esse escritor que era apaixonado pelo Brasil. Assim, o resultado é uma livre adaptação recheada de cartas, crônicas, comentários, descrições, memórias, ficções, histórias divertidas, coloridas e que todo brasileiro deveria conhecer, todas as aventuras de suas expedições.

4 Nota do Crítico 5 1

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