Maputo Nakuzandza
Ecos urbanos
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2022
Na fragmentação de uma narrativa que parece se completar pelo que não vemos, “Maputo Nakuzandza” se apresenta como um grande enigma a ser decifrado pelo espectador, ou pelo programa de rádio que narra parte dos acontecimentos. O filme de Ariadine Zampaulo inicia apresentando uma série de personagens, sem uma conexão aparente, que vão tratando de mostrar a diversidade do universo ali representado, tanto pela figura que corre, quanto pela noiva que vaga pela capital de Moçambique.
A vida urbana da cidade é menos um palco dessa narrativa e mais uma grande protagonista que vai sendo exposta por uma imagem inquieta, que trata do apagamento cultural de seu povo e da História dos homens brancos que invadiram a região. Algumas performances tratam dessa multiplicidade de temáticas que não estão ali para serem debatidas, mas materializadas em corpos que vagam pelo asfalto e possuem rumos não-ditos. Aqui, reside uma experimentação dos espaços e da paisagem cultural enquanto forma política de denúncia na aparente divagação lírica que materializa, na oralidade, uma formação de sociedade com intervenções externas. Um exemplo disso é quando vemos personagens desaparecer da tela e uma série de transeuntes indicam a passagem do tempo através de uma montagem que provoca uma ruptura na sensação de progressão.
Quando uma voz diz que “Nossa voz trespassou a atmosfera conformista da cidade e revolucionou-a. Arrastou como um ciclone de conhecimento”, a objetividade da história e da materialização da ancestralidade aparece como elemento fundamental para se compreender a proposta de “Maputo Nakuzandza”, tendo a rádio como uma mediação dos tempos e de uma ampliação da percepção geográfica da cidade. Mas encerra a interpretação do instrumento de comunicação como mera exposição, seria demasiadamente unilateral, pois as poesias que atravessam os depoimentos e quadros da estação, são capazes de suspender os inúmeros atravessamentos de território para a imaterialidade dessas relações. Ou seja, a cultura, o mito, a história e a memória são elementos que consolidam um universo que está em constante movimento, transformando a própria moralidade que abre o filme, no diálogo entre os homens e os julgamentos agressivos, em algo que se une à essa construção.
Os incessantes ruídos da cidade, mesmo nas performances de maneira mais isolada, vão dando a dimensão da ocupação das pessoas, em um cotidiano que nos é apresentado pela visão de uma série de personagens que se espalham. Nesse sentido, a figura do turista sugere ao espectador uma exposição primária desses espaços, mas também uma carga cultural mais intensa, lembrando os grandes artistas que são lembrados nos muros das ruas. O interessante é que “Maputo Nakuzandza” não introduz uma solidez de seu território, já que trabalha com a representação dos mesmos a partir da subjetividade de seus personagens. Assim, é capaz de desenvolver questões dramáticas individuais a partir dessas relações do próprio quadro e da montagem, em um jogo que cria uma multifacetação que vai sendo cada vez mais ampliada pela rádio.
Os movimentos entre os prédios e essa vivência urbana, dá um tom distinto para cada performance e o próprio jogo das perspectivas que vai sendo estruturado, especialmente em uma horizontalidade que vai se metamorfoseando, um exemplo mais claro disso é quando a noiva caminha nos trilhos em direção ao “nada”, onde um plano específico sugere a própria finitude desses movimentos, a fatalidade e o mito em uma conversação entre a tragédia e a subjetividade dessa história. Novamente, um filme da Mostra Aurora parece traduzir a multiplicidade da temática da 25ª Edição da Mostra de Tiradentes e esse “Cinema em Transição” vai surgindo de maneira ainda mais ampla e, por vezes, menos objetiva. “Maputo Nakuzandza” se assemelha mais à produção de sentido em um contexto social que trabalha a história e a materialidade, inclusive a metafísica, em um espaço que vai se deformando com sua verticalização.