Curta Paranagua 2024

Luzes, Mulheres, Ação

Luzes, feminismo liberal, ação!

Por Giulia Dela Pace

Durante o Festival do Rio 2022

Luzes, Mulheres, Ação

O complexo de vira-lata do brasileiro, por incrível que possa parecer aos homens, mas também a algumas mulheres, dificulta o processo de ser compreender como uma mulher feminista, de se enxergar numa posição de falta de privilégios. Afinal, a opressão da mulher latina é mais que real no Brasil. E Heloísa Buarque de Hollanda fala sobre isso ao ser entrevistada para “Luzes Mulheres Ação”, longa da cineasta Eunice Gutman. Mas este filme faltou com certo senso de responsabilidade e noção de como o cinema é uma arma propagandista, nesse caso, não só para mulheres que já tem a “cabeça” meio encaminhada, mas para mulheres que não têm e para pessoas alheias às pautas feministas. 

“Luzes, Mulheres, Ação” é o suco do complexo de vira-lata brasileiro e da falta de noção da mulher brasileira branca burguesa quanto as múltiplas realidades das mulheres deste país. O que teve a intenção de resgatar o percurso histórico da luta feminina no Brasil acabou por ser apenas um reforço de tudo que existiu e existe de podre e capenga na esquerda brasileira desde os primórdios: a burguesia frágil e representante de uma classe intelectual branca, comumente, debilitada. Com certas exceções, é claro.

O longa tem uma construção temporal e espacial relativamente interessante e bem montada, mas em 2022 a forma como um produto de cinema e o movimento feminista foi tratado sucedeu num documentário quase jocoso. Foi uma tentativa mal sucedida de representar o que o feminismo é e o que está sendo no Brasil atualmente. Especialmente, para o feminismo das mulheres que realmente lutam diária e incansavelmente por seus direitos de existência, como as mulheres trans, e de subsistência como as mulheres operárias, pois desse feminismo não se fala no filme. Apenas da nata branca que sempre gozou de posições de privilégio, mas que ainda eram mulheres e tinham sua liberdade e direito de pensar restritos à família ou ao casamento.

Ambas, instituições que o documentário parece abominar, mas o capital não foi citado em nenhum momento como culpado. Aliás, o único momento em que o filme foi sincero com a realidade da mulher no Brasil foi em uma das entrevistas finais, com uma ativista negra, sobre as relações de poder dentro do capitalismo, que refletem na existência e manutenção do patriarcado.

De fato a mulher brasileira achar que o feminismo é supérfluo é uma realidade trágica e perigosa, mas pior ainda é não associar isso às interseccionalidades, como acontece nesse filme por inteiro. Porque, ao contrário do que o documentário faz parecer, o movimento feminista, no Brasil, não se iniciou com a burguesia conquistando o direito de voto da mulher, mas começou com Dandara e muito antes. Começou com povos originários matriarcais onde há, ou havia, liberdade da mulher sexual da mulher, onde há poder “administrativo” e “judicial” dessas mulheres dentro da estrutura de seus povos, onde sua capacidade de gerar é poderosa e não um fardo.

Embora “Luzes, Mulheres, Ação” tenha fracassado no restante, as entrevistas e informações sobre o Reino das Mulheres foram muitíssimo interessantes. Mas não precisava ir tão longe, afinal, se o vira-latismo brasileiro não permitiu uma pesquisa mais aprofundada sobre o feminismo e matriarquismo no Brasil, ao invés de um monte de vômito do mesmo “histórico” há quase 100 anos, por que não falar do Panamá, do povo matriarca do arquipélago Guna Yala. 

Por que não falar de Dandara? Porque as únicas três mulheres negras entrevistadas durante o filme só falaram sobre institucionalizações do feminismo e tocaram de formas superficiais na interseccionalidade, movimento negro e o papel da mulher negra no pensamento feminista no Brasil. Lembrando que as mulheres negras intelectuais que construíram todos os pilares do pensamento feminista contemporâneo brasileiro e do movimento negro no país.

Um feminismo liberal paira sobre o filme todo, às vezes até esfrega na cara do espectador coisas tão antiquadas e quadradas quanto os planos das entrevistas, porque o filme por si só já não tem qualidade de imagem, de edição e muito menos o mínimo de apreço por não se deixar fazer um documentário à lá “Brasil Escola”.

Um longa que deixa absolutamente qualquer mulher, cineasta e feminista broxada completamente. Em pleno 2022 é impressionante como mulheres brasileiras ainda conseguem se passar por homens falando, pior que isso: homens burgueses falando sobre o feminismo. Falta força, falta coragem e falta maior presença de tudo que o cinema pode oferecer a este filme, porque é entristecedor acompanhar uma hora e vinte minutos de um filme que maltrata tanto o feminismo como este conseguiu fazer. Mais uma risada burguesa na cara das mulheres brasileiras, mais uma risada do capitalismo e patriarcado na cara de todas nós. 

A cada dia que passa o cinema nacional morre um pouco e o feminismo se esfarela ainda mais neste país, vide um longa de aborrecer qualquer mulher que apoie o cinema de mulheres, pois só mostra o quão perigoso é inferir que filmes dirigidos por mulheres são bons para mulheres. Pior ainda, perigoso para mulheres que permitam que nós mesmas briguemos sobre o que somos ou não somos criticando filmes feitos por nós mesmas.

1 Nota do Crítico 5 1

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