Curta Paranagua 2024

Luta de Classes

O mundo dentro de uma escola francesa

Por Vinicius Machado

Luta de Classes

Nos anos 80, os franceses criaram a expressão Gauche caviar (esquerda caviar), um termo pejorativo feito para descrever pessoas que dizem seguir uma agenda socialista, mas não são honestos em suas crenças. São hipócritas, e agem de maneira completamente oposta a seus ideais, aproveitando-se dos serviços capitalistas. E é exatamente isso que Michel Leclerc (de “Os Nomes do Amor”) traz em seu novo filme, “Luta de Classes”.

Para isso, o diretor francês coloca como ponto central Sofia (Leïla Bekhti) e Paul (Edouard Baer, ator-apresentador da cerimônia de abertura e encerramento dos Festival de Cannes), um casal que vê suas diretrizes ruindo quando percebem que seu filho é o único aluno branco de uma escola de imigrantes. Sem conseguir se relacionar com ninguém, Corentin (Tom Levy) é considerado pelos seus colegas um garoto privilegiado e rico, mesmo que sua família viva em condições semelhantes aos vizinhos da comunidade de Bagnolet.

Mas Leclerc não procura somente expor esse tema como um fato isolado na periferia francesa. Sua intenção é trazer esse pequeno pedaço do bairro como uma exemplificação de seu próprio país e, porque não, do mundo. A todo tempo, Paul – um integrante de uma banda punk dos anos 90 e Sofia – uma advogada de origem árabe estão realizando discussões de como se portar em sociedade com o seu pensamento livre e sem amarras xenofóbicas e conservadoras. No entanto, eles precisam lidar com a cultura das pessoas ao seu redor e é justamente quando os conflitos começam a aparecer.

A crítica nunca é direcionada a esses grupos de imigrantes, sejam eles chineses, muçulmanos ou africanos. Toda a construção é feita de dentro da casa da família protagonista para fora. Mas Leclerc não poupa alfinetadas ao sistema educacional, muito menos à escola em que Corentin estuda. O título do filme, “Luta de Classes”,  não é mera coincidência e a metáfora funciona de maneira condizente. Prova disso é a professora que, para não ofender aluno nenhum, tenta evitar termos populares ou até mesmo a palavra certa, como em uma cena que há um treinamento de ataque à escola. “Não se pode usar a palavra terrorista, isso causa terror e aumenta o medo das pessoas”, afirma. E a todo momento há essa esquiva, essa volta toda para não causar um mal-estar, seja nos próprios alunos, ou em seus pais.

Mas não pense que esse filme se leva a sério. Ele ri de si mesmo e coloca as situações mais absurdas para levantar suas teses. E essas muitas vezes vêm em forma de alegorias quase literais do que o diretor quer dizer, nada fica nas entrelinhas e falta uma certa sutileza por parte do enredo para construir suas críticas sociais. Os estereótipos e os arquétipos se fazem presente todo o tempo, principalmente os personagens coadjuvantes, desde o vizinho judeu aos amigos brancos que matriculam seus filhos em escolas particulares, com a desculpa de que o ensino público é deficiente, mas no fundo com um certo receio de colocar suas crianças próximas a outras culturas.

A crítica à esquerda vem de dentro pra fora. No início, o casal protagonista parece fazer jus às suas crenças, mas isso não se sustenta por muito tempo e todos os conceitos acabam ganhando uma unilateralidade, onde somente seus ideais estão corretos. É um altruísmo disfarçado de egocentrismo. Eles não querem um mundo melhor, mas querem, da forma em que eles acham correto, mesmo que para isso seja preciso usar ambientação fascista. O intuito é massagear seus próprios egos, fazendo com que eles acreditem que estão fazendo o bem e livrando as pessoas das amarras ideológicas conservadoras.

Por não se levar a sério, seu final acaba direcionado ao tosco, numa sequência nada delicada sobre aceitar diferenças e saber lidar com outras culturas. No entanto, não é feito de maneira involuntária. Leclerc sabe e quer que esse tom de fanfarra se faça presente. Ele estampa no rosto de seu espectador o que ele quer dizer, sem nunca dar soluções simplistas.

Se tem algo que “Luta de Classes” não é, é superficial. Embora pareça em seu primeiro momento, o filme traz reflexões interessantes e cheia de camadas de como as pessoas encaram suas diretrizes de forma rasa e sem o menor conhecimento de causa, sem se importar com o que o outro pensa ou o que de fato importa para que a sociedade avance com respeito ao diferente. A história acontece num pequeno pedaço de Bangnolet, mas é possível ver tudo isso numa rede social próxima a você.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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