Curta Paranagua 2024

Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor

Cornitude, pinga e tombo

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra CineOP 2023

Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor

Exibido no Cine-Praça, dentro da programação do CineOP 2023, “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor”, de Alfredo Manevy, é uma bela oportunidade de conferir a importante obra de Lupicínio, cantor, compositor e “criador da dor de cotovelo”.  O filme é construído majoritariamente a partir de materiais de arquivos, seja de falas do próprio cantor ou outros cantores interpretando as canções de Lupicínio, além de rascunhos originais que são apresentados ao público, as histórias por trás de cada sucesso e uma série de depoimentos em off. Em diversos momentos, ele próprio apresenta as histórias, relembrando dores e situações da própria vida. Essa estratégia funciona bem porque consegue dinamizar essa exposição, sem precisar recorrer a recursos que poderiam arrastar o ritmo da produção. Ainda que o documentário acabe optando por algumas escolhas pragmáticas de contextualização, como algumas imagens de arquivo de pessoas treinando no exército e de bandas militares para representar um período da vida do protagonista, isso não representa uma perca na construção estética da obra, pois compreende que determinadas representações podem garantir um didatismo melhor para a construção. Outro exemplo que vale mencionar é a forma como a direção esclarece como a música “Se acaso você chegasse” conseguiu uma grande distribuição naquele período. Ao afirmar que parte do sucesso pode ser creditado aos marinheiros, o filme recorre às imagens que podem representar essa questão. Essa frequente estratégia mantém uma regularidade estética no filme, onde a garantia de exposição ao público não se confunde com uma certa muleta formal. 

Outro mérito de “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor” é trazer a contribuição de Lupicínio para a música brasileira como um fator indiscutível, onde a injustiça com o legado de suas composições se torna evidente a cada sucesso apresentado. Uma das formas de se defender de possíveis argumentos anacrônicos que poderiam ser utilizados contra o compositor, é a aproximação contextual entre as diferentes épocas, afirmando que “Hoje Lupicínio seria cancelado”, pelo tom sexista de muitas de suas letras. O filme não abre uma exceção para criticar esse conteúdo, mas assume que compreender essas letras, é compreender um contexto social brasileiro. Essa abordagem pode ser interpretada de diversas formas, ainda que a recepção possa ser particularmente dividida entre o público. 

Mas se essa construção do filme parece muito consciente de seus caminhos, controversas e polêmicas, o mesmo não pode ser aplicado à linguagem, que se mantém burocrática e não procura inovar ou ser criativa em nenhum de seus recortes, mesmo que faça bom uso do vasto material de arquivo que possui. Essa questão se deve mais aos méritos da montagem em organizar essa multiplicidade com coesão, e menos nas possibilidades descartadas por uma construção estética que assume um tom mediado durante a projeção, utilizando algumas trilhas genéricas para transitar entre os diferentes contextos e imagens. Parte disso pode ter haver com o momento das gravações, onde é possível notar que os protocolos pandêmicos estavam em vigor, o que pode ter limitado um pouco a produção, ainda que não seja um argumento satisfatório. 

Contudo, o personagem central em “Lupicínio Rodrigues: Confissões de um Sofredor” acaba preenchendo um espaço muito interessante da cultura brasileira, já garantindo uma importância imediata à obra. Desde imagens curiosas, como a mulher que aponta um revólver para a boca de Lupicínio, que sorri, até a imagem construída de um homem com vidas paralelas e excessos boêmios que realizava com curtas viagens com um burrinho, servindo como transporte e garantia de retorno a residência, o cantor e compositor passa a ganhar uma camada tão festiva quanto carregada de mágoas amorosas. Isso faz o longa ganhar um corpo quase dramático, de construção de uma personalidade que fica muito marcada por determinadas caricaturas perpetuadas pela mídia. 

Entre muitos admiradores de grande calibre e intérpretes que se debruçaram nas lamúrias e cornitudes escritas por Lupicínio, Gilberto Gil recebe uma atenção especial do documentário, com elogios e memórias de um autor que chega a ser ridicularizado na TV na década de 60. Lupicínio sempre pareceu muito lúcido de seu papel na música brasileira, mas não conseguiu ver os resultados financeiros disso e muito menos o reconhecimento que deveria. Parece que “Quem vê as pingas que tomo, não sabe os tombos que eu levo” acaba se tornando uma espécie de síntese melancólica de uma carreira marcada pelo coração partido e pelo esquecimento com o passar dos anos.  

3 Nota do Crítico 5 1

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