Luiz Melodia – No Coração do Brasil
Multiplicidade artística
Por Vitor Velloso
Festival Internacional de Cinema de Paraty 2024
Com uma vastidão impressionante de imagens de arquivo “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, dirigido por Alessandra Dorgan, realiza um tributo à música brasileira, retomando a vida e carreira de Melodia, através de suas influências, vivências, depoimentos, personalidade e, claro, sua música.
Um dos maiores méritos do documentário é conseguir atravessar de forma ininterrupta e fluída por um arcabouço de músicas e histórias, sem que haja uma interrupção didática ou cronológica, ou mesmo que alguns depoimentos pareçam descontextualizados na estrutura geral da obra. Dessa forma, o filme consegue uma progressão temporal e narrativa que não encontra entraves ou desafios para seu desenvolvimento, permanecendo em movimento mesmo com trocas temáticas constantes. Não por acaso, os setenta e cinco minutos de projeção parecem ser sintetizados como uma construção única de uma discografia e vida, tão particulares, e múltiplos, que transformam a obra de Melodia em algo tão contínuo por si só, que impressiona o esforço da montagem de “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” em conseguir condensar tantos tópicos em tão pouco tempo.
Assim, o longa consegue compactar alguns dos principais sucessos de Luiz Melodia para guiar a própria história do protagonista, sem recorrer aos dispositivos mais frágeis de obras semelhantes, que procura traçar a partir de marcos específicos, traçados por recortes de cada produção. Aqui, a proposta não é trabalhar a partir desses marcos, mas levantar os mesmos para situar o espectador a partir dessa articulação de uma história ampla, com uma série de perspectivas de uma mesma carreira e discografia. Por essa razão, o longa é tão eficaz em conseguir que suas transições sejam tão ininterruptas, pois não traça pontos específicos para trabalhar, mas sim o próprio personagem se modificando, protestando e ensinando, questionando a indústria musical e produzindo obras que marcaram a cultura brasileira. E talvez esse seja um dos marcos do documentário, a habilidade de transformar seu protagonista em uma representação quase que material da realidade brasileira, atravessando uma gama incontável de assuntos, temáticas e histórias, sem compreender uma separação clara entre dois objetos distintos. Ou seja, dentro de um contexto estabelecido, a obra se solidifica em duas faces específicas, a do Melodia e da música brasileira, seja em seu aspecto social, econômico, político etc.
Esse tópico é muito interessante em “Luiz Melodia – No Coração do Brasil”, pois distingue o protagonista de vários outros personagens que aparecem ao longo da projeção, justamente em tópicos que são extremamente relevantes para compreendermos Melodia e suas músicas, a classe social e a cor da pele. É particularmente curioso como o filme articula esse assunto, pois não há acusação a nenhuma figura importante da música brasileira, nem mesmo mágoas reveladas, com exceção das gravadoras e parte central dos produtores e empresários, de cantores específicos, mas sim uma conscientização do lugar social ocupado por cada um, seu status dentro de um contexto específico e sua cor diante da grande mídia. Não obstante, o documentário apenas introduz falas de Melodia, para que sua posição fique clara diante do espectador e que não haja equívocos sobre qualquer tópico.
A direção de Alessandra Dorgan não deixa dúvidas sobre seu posicionamento diante de todas as questões levantadas por Melodia, seja em seus depoimentos ou músicas, e esse é um mérito que deve ser celebrado diante de um cenário em que tantos filmes parecem se esconder diante de seus respectivos objetos, protagonistas etc. “Luiz Melodia – No Coração do Brasil” consegue ser múltiplo e complexo, sem ser unilateral, e mesmo assim mantém seu ritmo e fluidez do início ao fim da projeção, sem permitir que qualquer recurso didático interrompa seu próprio objeto central. Nesse caminho, a projeção desenha uma biografia ao mesmo tempo que traça a discografia e celebra a existência de Melodia, sem priorizar algum possível luto sobre, mas sim a comemoração de seus feitos e músicas.