Curta Paranagua 2024

Love Lies Bleeding: O Amor Sangra

A força surreal do amor moderno

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2024

Love Lies Bleeding: O Amor Sangra

Há filmes que transcendem a própria metafísica objetivada de sua criação artística ao se pautar pelo extracampo da fértil imaginação. Nesses casos não há zonas de conforto e padronizações narrativas, tampouco redes de proteção. Esses filmes estão totalmente soltos por decisões-liberdades mais autorais, e nada convencionais, como é o caso de “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra”, exibido no Festival de Berlim 2024, em sessão especial. Sim, quando o filme acabou, todos ali sabiam que este era uma obra extremamente fora da casinha, que conduzia o espectador a um universo surreal, de tempo suspenso e de epifania realista. Ao construir uma mise-en-scéne que navega pela iminência da reação, pela violência gótica gore, pela estética simulada de uma evocação da geração oitentista, com suas dinâmicas particulares e características, “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” define-se como uma experiência sensorial visual. Dirigido por Rose Glass (de “Saint Maud”) e trazendo no elenco Kristen Stewart, a queridinha do novíssimo cinema independente, o longa-metragem quer imprimir um manifesto feminista, e de força feminina acima de tudo, sem precisar de discursos panfletários e de efeito. 

Aqui, tudo isso acontece pela ficção científica de tom hipster orgânico, de atmosfera futurista espacial, com a sensação de sonho acordado e/ou uma consequência colateral e psicodélica de alguma droga alucinógena. Há um que de noir moderno, que lembra Dario Argento, Greg Araki, Steven Soderberg, David Lynch, mas tudo sem copiar, referenciar e/ou homenagear ninguém, o que torna a forma de “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” bem única, trazendo uma estética importada de coloquialismo nostálgico. “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” é uma experiência de sinestesia no melhor estilo drone de ser. Parece que nós espectadores adentramos em um portal para flutuar, como se estivéssemos no Espaço, sem gravidade de nossas próprias percepções e controles motores. O filme traz a imersão do meio em que as personagens vivem e respiram cada minuto do dia. A academia de ginástica, a fisiologia do suor, a dor sentida ao extremo quando se está no final da série dos exercícios, e até mesmo a limpeza do banheiro até “desentupir”, de escatologia natural, obrigatório a todo ser animal. Cada vez o roteiro quebra mais a própria narrativa, com seus cortes rápidos, de metafísica de gênero não binário (de corpos ultra mega sarados – e de feminino masculinizado) e da própria realidade em ter dificuldades de conseguir trabalho. E que às vezes é preciso dormir na rua. É a tão naturalizada sobrevivência em busca de uma chance em um mundo que mais parece um episódio de “Jogos Vorazes”. 

“Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” consegue extrapolar os limites dessa metafísica, quando constrói um meio identificável para acontecer: o cotidiano de tempo editado. Toda essa micro-porosidade da imagem serve como simbolismo autoral. O culto ao curto (que se identifica) e à força são mecanismos de defesa. O amor, traduzido como surreal, pode ser refúgio, mas também caos, gerando a perda do controle, a impulsividade tóxica e à flor da pele da co-dependência do outro e suas consequências trágicas. Como mensurá-lo então? Como domar a incondicionalidade da paixão? A narrativa de “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” é uma maestria à parte. Ao quebrar a “loucura” com situações comportamentais padronizadas à normalidade de nossa sociedade palatável, entre elipses, o filme consegue não só a atenção e a surpresa do público, mas sim sua admiração, por sair do lugar comum. 

E assim, sem mais se preocupar com os próprios limites, “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” faz acontecer com a resposta catártica da vingança, por uma forma de violência onírica-psicodélica extrema (impossível não “viajar” a Quentin Tarantino) e por uma transcendência da realidade ao elemento real. Sim, é a poesia movimentada do querer pilhado, gigante, crescido, empoderado, opulente, impenetrável. Para sobreviver (contra os “machos”), é preciso que a personagem leve sua atitude às últimas consequências. Que se torne um monstro “Hulk” e que canalize sua raiva no corpo (que está em sua natureza do existir). “Love Lies Bleeding: O Amor Sangra” é uma ode ao amor moderno (regurgitado, obsessivo, obcecado, chantageado, louco, de estrela solitária). Essa ação é de delírio-surto, que a suspende do tempo real. O longa-metragem é um manifesto do amor pleno, sem ressalvas, sem hesitações e sem necessidades de terceiros e futilidades alheias para mostrar seu valor, vivendo por sangue verdadeiro. Em Albuquerque, entre glitter cósmico e superpoder do futuro. 

5 Nota do Crítico 5 1

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