Los de Abajo
Mesmos problemas, velhos inimigos
Por Vitor Velloso
Festival Internacional de Cinema de Paraty 2024
Com o mesmo nome do famoso romance de Mariano Azuela, “Los de Abajo”, dirigido por Alejandro Quiroga, é um filme que parece querer tocar em tantas perspectivas diferentes de um mesmo cenário regional, que não consegue desenvolver suas temáticas para além de uma perspectiva intimista, procurando uma base de sustentação a partir de uma característica dramática centralizada no personagem Gregorio (Fernando Arze Echalar). O interessante aqui é notar que as bases de estruturação do longa, passam por particularidades concretas que afetam seus personagens, como o problema de irrigação, a seca, os desafios da comunidade rural na Bolívia e o conflito geracional. São tópicos recorrentes em cinematografias que se debruçam sobre os aspectos de uma cultura local, da tradição familiar e os desafios para o presente/futuro e a elite local desarticulando organizações sociais.
Contudo, se essa multiplicidade temática poderia enriquecer o projeto e provocar uma série de discussões sobre problemas intensificados pelo avanço liberal, enquanto marco social, econômico e político, confundido em algumas literaturas como “modernidade”, “Los de Abajo” faz um esforço constante para retirar o conteúdo de uma luta política, para transfigurar esse campo concreto em um “calvário político”. Ou seja, o grande desafio é realizar a transição entre a diretriz dramática pessoal para esse cenário apresentado no filme. Nesse sentido, o longa peca por não conseguir apresentar de forma convincente, o que exatamente está em jogo nesse recorte estabelecido. Por exemplo, o espectador é apresentado à recusa do auxílio comunitário à Gregorio, com argumentações que extrapolam o campo material, mas Alejandro Quiroga não procura explicitar as bases desse patrimônio imaterial, das tradições para além da enorme paisagem em disputa. Assim, quando somos apresentados à elite regional e suas repressões diretas e simbólicas, estamos diante de uma representação esvaziada de uma função narrativa, não de uma ameaça cultural aos costumes, culturalmente construída de forma exterior, tornando-se quase como uma afronta à moral e/ou orgulho do personagem, por mais que o espectador tenha plena noção de que algo muito maior está em cheque, pois é uma temática recorrente na cinematografia latina contemporânea.
“Los de Abajo” investe tanto tempo de desenvolvimento nas características pessoais, e superficiais, de seus personagens, com uma ênfase tão unidimensional nos arquétipos reconhecidos de uma base histórica, que não entrega um projeto que permita a reflexão desses problemas como uma particularidade do seu próprio recorte. Nesse sentido, é como se a jornada do protagonista fosse composta por uma série de elementos comuns a outras histórias, com dramas pessoais, que nunca encontram uma interseção para funcionar enquanto discussão. Não por acaso, todo um apagamento que ocorre de forma brutal ao longo da projeção, de costumes e da cultural local, se encerra com o drama de personagens que são caracterizados por uma unidimensionalidade, como que cumprindo um facilitador narrativo. É compreensível que não em tão pouco tão tempo de duração, um filme não seja capaz de desenvolver todas as temáticas que são apresentadas na totalidade do longa, mas essa estrutura de encerramento das discussões em características quase pré-estabelecidas de seus personagens, e encerradas em limites tão explícitos, gera uma frustração constante com as bases de uma trama tão rica de elementos que são precocemente abandonados.
Toda a problemática desse avanço liberal, se encontra sintetizada nas individualidades de uma sociedade que se encontra precarizada, remetendo ao discurso de uma necessidade particular de cada família e terra, impedindo a união/comunhão de todos para enfrentar esse avanço da elite e a compra das terras. “Los de Abajo” não possui uma narrativa original, mas tem um campo fértil para trabalhar uma quantidade ampla de questões que vão sendo abandonadas em prol de uma dramaticidade de situações isoladas, e que por conta de uma montagem desarticulada e a falta de um desenvolvimento sólido para esses enfrentamentos, acaba fragilizando a própria perspectiva de personagens, tornando-se um drama de situação-recorte, particularmente sintomático da falta de um olhar mais amplo sobre os problemas que motivam a película.