Reprise Mostra Campos do Jordao

Longlegs: Vínculo Mortal

Terror investigativo

Por Pedro Sales

Longlegs: Vínculo Mortal

A investigadora do Federal Bureau of Investigation (FBI) Lee Harker (Maika Monroe) passa a ser a responsável pelo caso de um serial killer há vinte anos na ativa, mas que ainda não foi sequer identificado. Famílias inteiras morrem nas mãos dele. O pai se mata após matar a esposa e filhas, geralmente com idade de nove ou dez anos, com aniversário sempre no dia 14. Não existem, no entanto, provas concretas que comprovem a presença do assassino no local do crime, apenas cartas codificadas assinadas com o nome Longlegs, personagem-título interpretado por Nicholas Cage em uma caracterização repulsiva. O longa de Oz Perkins, portanto, propõe um diálogo entre gêneros bastante frontal. É um terror-investigativo na medida em que a personagem principal parece ter um vínculo anterior com o assassino, peça fundamental para solucionar o mistério da identidade daquele homem e das circunstâncias dos assassinatos.

Essa caçada ao assassino, em que o protagonista sempre parece estar alguns passos atrás, remete imediatamente a “O Silêncio dos Inocentes” (1991) e “Seven” (1995), clássicos do gênero nos anos 1990. Não é por acaso que o filme também é ambientado neste período, conforme a foto de Bill Clinton demonstra. A referência ao longa de David Fincher é até evocada nos planos em que Lee está na biblioteca tentando encontrar padrões nos assassinatos. Da mesma forma, há também um pouco de “Zodíaco” (2007) na decodificação das cartas criptografadas de Longlegs. A aproximação com o filme de Jonathan Demme se dá, por sua vez, na própria narrativa da agente do FBI inserida na investigação de um serial killer. Porém, diferentemente de Clarice, personagem de Jodie Foster, que tinha auxílio de Hannibal Lecter, Lee Harker tem apenas a si mesma e sua intuição para localizar o homem.

Tendo em vista essa proposta de um terror travestido de suspense, “Longlegs: Vinculo Mortal” é muito efetivo em construir atmosfera de imprevisibilidade. Isso acontece, inicialmente na introdução, com uma proporção de tela reduzida e com uma fotografia em película, Longlegs aparece pela primeira vez para o espectador. Logo depois, a proporção de tela se expande, a câmera usa lentes grandes-angulares e a narrativa propõe o salto temporal dos anos 1970 para a década de 90. No primeiro dia de trabalho, Lee e seu companheiro, agente Fisk (Dakota Daulby), buscam respostas para a onda de crimes. A protagonista pressente onde pode ser a casa do suspeito, enquanto a câmera desfoca o fundo, o que reforça esta suspensão e estado de transe que acompanha a personagem ao longo da rodagem. Assim, a investigação atua em um nível de racionalidade e metafísico – os planos extremamente simétricos representam um pouco disso -, e o diretor se vale dessa dicotomia narrativa para estabelecer o diálogo entre os gêneros.

Com zooms lentos acompanhados por uma trilha sonora soturna, desde o início, o longa parece nos preparar para o pior. Neste sentido, Oz Perkins, que dirigiu “Maria e João: O Conto das Bruxas” (2020), aposta muito nessa atmosfera de tensão que, por muito tempo, é a principal força do longa. O espaço cênico na casa de Lee reforça certa claustrofobia, também presente nas cenas com a proporção de tela reduzida, e contribui para a invasão domiciliar ser ainda mais tensa. Assim, há um poder de sugestão muito grande ao não mostrar. Porém, se a tensão é, em um primeiro momento, a força do longa, logo dá vez à construção visual e direta do terror, não só de jumpscares. O rosto empoado de Longlegs, os cabelos loiros e o inchaço nas maças do rosto conseguem de cara trazer desconforto, por vezes maior que o zoom-in indutor de ansiedade. A inserção de canções no contexto também deixam tudo ainda mais bizarro.

Bizarrice essa de “Longlegs: Vínculo Mortal” que ultrapassa a por si só perturbadora presença do personagem de Nicholas Cage em tela. O antro onde ele vive, com pôsteres de artistas como Lou Reed e Marc Bolan, do T-Rex, também é tomado pelo obscurantismo que marca sua prática macabra. Dessa forma, aos poucos a sugestão dá vez à imagética aterrorizante: o quarto satânico, as bonecas doppelgängers-clones, o grafismo das vítimas. Ao se valer do próprio impacto da imagem e negar o didatismo, pelo menos nos primeiros dois capítulos, a obra consegue intrigar o espectador que se vê, assim como a protagonista, em um estado de suspensão sem saber ao certo como o caso pode ser solucionado. Maika Monroe, em sua atuação, consegue transmitir essa dúvida por meio de uma performance muitas vezes silenciosa em comparação ao superior Agente Carter (Blair Underwood). De certa forma, esse caráter da personagem contrasta bem com a excentricidade de Longlegs, um assassino maligno espalhafatoso e ainda assustador.

Diferente do tom espalhafatoso mas igualmente assustadoras são as performances de Kiernan Shipka, que interpreta uma das sobreviventes de um massacre familiar, e Alicia Witt, a mãe de Lee. A primeira, com um olhar alucinado e explosivo, de quem pode fazer o que mandarem. A outra com o cansaço de quem vive sem a filha e com uma sombra enigmática de quem esconde algo a mais. Porém, mesmo com grandes atuações e com uma construção atmosférica formal cuidadosa para o terror, nessa amálgama com a investigação policial, “Longlegs: Vínculo Mortal” tropeça. Ao não saber lidar com a dicotomia do abstrato e racional, o filme opta pelo protocolar na condução final. Ainda com uma carga emocional elevada, o grafismo do terror presente e uso de símbolos satânicos, a obra caminha pelo didatismo, transforma a pretensa mediunidade em memórias traumáticas e mergulha numa acelerada explicação que nega a sugestão como elemento do gênero e utiliza a narração como epítome da racionalização.

3 Nota do Crítico 5 1

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