Curta Paranagua 2024

Linha Tênue

A manutenção de uma imagem

Por Vitor Velloso

Cinema Virutal

Linha Tênue

Entre as últimas do mundo digital,“Linha Tênue” de Boris Khlebnikov, aparece como uma pequena surpresa em meio ao descarte ininterrupto que o streaming brasileiro vem sofrendo. O longa é consciente em sua proposta, a degradação moral do trabalhador diante das instituições é uma constante inequívoca. A cada nova cena, Oleg (Aleksandr Yatsenko) sofre um novo impacto em sua vida, seja por suas atitudes ou questões exteriores que fogem de seu controle. Porém, o filme não trabalha o peso de suas atitudes no convívio com sua esposa, por exemplo, um eixo essencial para a compreensão da narrativa. Alcoolismo e claros abusos acabam findando em um “romance problemático, mas sincero”, algo que vai perdendo o sentido na própria construção, que expõe parte dos problemas sociais vividos pelo personagem, na perspectiva de tratá-lo como vítima de um sistema rigoroso de desmoralização.

Alguns veículos estão utilizando o espaço deixado por “Linha Tênue” para criar categorizações sociais da Rússia e atacar determinadas figuras políticas, de Putin à Lavrov. Deve-se tomar cuidado com diagnósticos apressados e irresponsáveis. A manutenção do estereótipo do homem russo bêbado e abusivo, tem um caráter internacional, não por acaso o projeto apresenta ele mais uma vez. Está claro que a verve comercial toma as rédeas aqui. Assim, quando o filme assume a máxima do “tudo vai ficar bem”, temos a lógica interna dessa regulação de um arquétipo que se mantém imutável, e isso é grave. A própria consciência crítica dessa representação primária deveria cair por terra no trato da desmoralização desse trabalhador diante das instituições que mantêm esse estereótipo de pé. Mas o longa caminha para o lado contrário, cria uma normativa que centraliza suas narrativas em um drama onde os coadjuvantes não são desenvolvidos e diversas questões do roteiro são deixadas de lado. Katya (Irina Gorbacheva) é deixada de lado na maior parte da construção. Não por mera coincidência, os créditos do Letterboxd apresentam a personagem como: “Katya, esposa de Oleg”.

Poucas coisas importam além da ética e do orgulho de Oleg, muitas vezes confundida com dignidade. O próprio embate com a direção do Hospital de Emergência é uma merda formalidade para as crises internas do personagem. Essa ausência de um olhar crítico para a realidade, impede que parte dos acontecimentos possuam relevância direta para o espectador. Aliás, o tom cíclico dessa perda de consciência se revela absolutamente subjetivo, naturalizado, anti-materialista e conservador. É uma clara inclinação para a internacionalização de um projeto que procura condensar uma série de estereótipos (a cena da briga durante o feriado, é um exemplo) e projetar a partir de um olhar “descentralizado” dessa cultura. Qualquer espécie de revisionismo moral rasteiro deve ser compreendido como ampliação de mercado. Não por acaso, o longa chega ao streaming brasileiro com uma sinopse (propositalmente replicada aqui) terrivelmente reacionária e falaciosa.

“Linha Tênue” é incapaz de compreender as próprias motivações que projeta na tela. De acordo com o texto divulgado, Katya parece ser incompreensiva e Oleg aparece como um “homem difícil, mas determinado”. O leitor que assistiu o filme sabe que não é assim que as coisas funcionam. Sua esposa é um mero objeto de amparo emocional e sexual para ele, e infelizmente, o projeto não se esforça para se distanciar disso. Desenvolvendo pouco o que faz Katya sofrer e tomar suas decisões. E a montagem segue a cartilha. O cineasta não possui grandes méritos nessa construção de manutenção conservadora, pelo contrário, caminha conforme o cinema europeu, com seu naturalismo fajuto e a câmera na mão em momentos tensos, a mise-en-scène está além do tacanho francês comercial, mas não se distancia dos mais ordinários do leste do “velho continente”. O rigor aqui é Oleg, não seus espaços, ainda que vez ou outra os diálogos busquem relembrar o espectador que não estamos em uma grande capital do país.

Se inicialmente elenquei como “surpresa”, é por enquadrar o projeto na mesma linha dogmática que estamos acostumados, mas com uma diretriz abertamente moralista. Dessa vez o negócio teve pouca vergonha.

2 Nota do Crítico 5 1

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